São conhecidos, têm nome e rosto, os cruéis julgadores, os arautos diligentes, prontos a sentenciar, de voz zangada e tonitruante, dedo em riste e malhete de carvalho na mão: o vice-rei da Índia, instalado em Bruxelas, o sonho feito realidade, a herdeira Mariana, a Richelieu de saias, com ar de pastel de nata, sempre a acudir, com ar de urgências, os Silvas – o inchado visigodo do norte, detentor único do saber académico, e o sultão da Marinha Grande, pensativo e enigmático, a viver em águas profundas e a capitalizar os silêncios, confundidos com subidos pensamentos -, o inquisidor Ferro, autoproclamado guardião da ética, um descomposto ex-presidente da AR, promotor do Chega, pelo desconchavo da linguagem nada institucional, o diletante César, o régulo dos Açores, especialista em banalidades, fazedor de inutilidades, deslumbrado com os festins da capital.
O desastre é tanto que, da tempestade tropical não escapa a redonda bola de Berlim, sem creme, nem a irrequieta e ambiciosa inquilina do “Quarto A”.
Todos juntos, fazem barulho, às ordens do regente da orquestra, que, gozando do fausto e sem paciência para as intendências do “Reino”, mesmo assim não tolera desaforos, nem admite contrariedades.
Os mais velhos, habituados ao mofo, num rebuliço e de passo arrastado, seguem numa pungente procissão.
Os senhores feudais, os autodesignados senadores – nunca o termo foi tão desapropriado – que retalharam o partido em fatias e postas familiares, num execrável processo endogâmico, blasfemam, inquietos, quase a sucumbirem a um fanico. Insurgem-se contra o desplante abusador.
Os “troublemakers” estendem os braços longos, convocam lealdades, requisitam apoios, prometem recompensas.
Na decrepitude política, que aconselharia recato e descanso, asneiam. Estala-lhes o verniz, que suja as alcatifas. Empurrados por fantasmas, perdem a compostura. Julgando-se com direito a figurarem nas páginas da História do país, apenas por terem assinado um decreto-lei ou um insípido despacho, frequentam o sub-mundo da intriga e da maledicência. Tratam as dissonâncias internas a golpes de bastão, tentando silenciar quem carrega estigmas incompreensíveis. A geração das oportunidades perdidas não se conforma com quem diverge e não segue a sua apertada cartilha.
Os do sarcófago, míopes portadores de um objectivo esclerosado, vêm à tona, bolsando ódios mesquinhos, trucidando camaradas de partido, sem pudor, nem contenção. Sem finezas, resmungam, quezilam, não se calam. Não espanta que, num desespero, se enxofrem com quem ousa fazer um caminho próprio, fora das tricas, longe dos embustes; o que se estranha é que ainda haja quem ouça os pletóricos jurássicos.
Num êxtase, e à vez, vão derramando fel nos jornais e televisões. Não contentes com o desgraçado estado para onde conduziram o partido – o 3.⁰ lugar do pódio -, sentem-se com autoridade para traçar caminhos e dar conselhos.
Os líderes e os apaniguados de um PS guerrilheiro, agarrados a estratégias falidas, vociferam e não desarmam. Adeptos da terra queimada, haverão de colocar a direita em Belém, por mais uns tempos largos. Serão três décadas, mas isso que lhes importa, comparado com a urgência do veto a Seguro?
O que interessa é que o PS não apoie oficialmente António José Seguro, ex-secretário-geral, mesmo sujeitando-se a escolher um qualquer bastardo, um degenerado, com apetites de palcos.
Aferrados contra o ex-secretário geral, erguem barragens contra sua disponibilidade. Que avançou, sem esperar pelo partido, acusam os que antes fecharam os olhos a Sampaio, que, farto de esperar pelas reticências crónicas do aparelho, decidiu avançar, com o apoio expresso dos que hoje tomam banho nos escrúpulos e se dessedentam com pruridos vermelhos.
Desconhecendo a totalidade do cenário, que imagino tumultuoso, e a exigir pinças de cirurgião, culpas, também as tem Carneiro – uma lufada de ar fresco -, que já devia ter dado um murro na mesa e posto ordem na casa, clarificando o que parece ser uma inevitabilidade.
Acontece que Seguro tem currículo, em vez de cadastro; tem passado, e não tem nódoas; tem pensamento próprio, e não é neutro. Não fez da vida pública uma rede clientelar, dependente de favores e encostos, que o Estado vai sustentando. Não é estouvado, nem gelatinoso. Mostrou desprendimento, quando, numa golpada sem honra, o apearam do poder. Não conspirou, não intrigou, não complicou. Tem uma folha limpa, e não tem por que procurar indulgências. Soube retirar-se, e seguir a sua vida.
Porém, Seguro transporta consigo uma doença que encaixa mal nos políticos carreiristas, de ontem e de hoje: é uma pessoa decente. E enquanto outros vivem de ódios mesquinhos, Seguro tem um desígnio para Portugal. Mostra ter ética, ao contrário daqueles que a propósito de tudo e de nada, estragam as letras da virtude republicana e a mancham com discursos hipócritas e de conveniência. E não tem perfil para ovelha de rebanho.
Aos críticos, pede-se que contenham a bílis e se calem. Que não tentem aparar o vento com as mãos. Que tenham decoro e vergonha, porque não se ataca, nem se persegue, um ex-secretário geral de forma tão vil e mesquinha. Que arrepiem caminho, e não estraguem, é o que o novo PS lhes deverá exigir. Para que continuem a merecer o respeito que, pelo seu passado, ainda lhes é devido.