Tenho 54 anos, a primeira vez que ouvi falar de fogos foi em 1985. Quarenta anos depois a minha biografia carrega serviço nos bombeiros voluntários, no Estado e no Serviço Nacional de Bombeiros que a estultícia extinguiu e de repórter. Já vi tudo, causa-me espanto que seja em Viseu que o primeiro-ministro tenha convocado um Conselho de Ministros extraordinário, para aprovar medidas de apoio às populações afetadas pelos incêndios. Generoso o governo, que sempre recorre aos fundos europeus, que são de evolução, mas teima em usar de remendos.
Uma primeira conversa, para justificar o injustificável, agora que me chegam lágrimas aos olhos e que fugi para a Galiza. Também arde, mas a mobilização é outra. Porém, onde estou, há uma imensa floresta que não arde. Tem mosaicos, lavoura, eucaliptos, pinhais e gado, a adaptação às alterações climáticas, que muitos partidos negam e que estão aí, perenes. De caminho jogamos sortes. Três mortes, e se ouvíssemos o antes, talvez se percebesse.
Infelizmente a nobre reunião do Conselho de Ministros não poderá ser transmitida pela Rádio Riba-Távora. O emissor ardeu, o povo fica sem informação, a Rádio é muito mais do que uma frequência. É companhia, é identidade, faz parte da vida de muitos de nós. Mas hoje, infelizmente, corre o risco de se calar para sempre.
Não é justo. Não merecíamos isto. Mas talvez, juntos, consigamos devolver-lhe voz.
As matas têm 30 toneladas de combustível por hectare, a partir de dez é preciso usar a tecnologia, que temos, avaliar a evolução e criar janela da extinção. A quadricula e o conhecimento dos bombeiros permite isso. Enquanto repórter vi um comandante da Proteção Civil a comandar fogos, de Arouca ao Sabugal. Boa vontade não chega, é preciso conhecimento. Carreira de bombeiro, a começar em cadete e a terminar em comandante nacional. Não nomeações políticas. O que já vi de fogo, permite-me avaliar que está tudo mal.
No meu tempo, a malta subia e descia serras e encostas para apagar incêndios. Não havia água, usavam-se batedores e enxadas e, ainda assim, apagaram-se muitos fogos. E contrafogos, impecáveis, que tantas vezes salvaram povoações inteiras. Hoje, lamentavelmente e de forma inexplicável, espera-se pelo fogo nas estradas.
É urgente inverter esta realidade. É necessário que se volte a dar voz aos bombeiros, que conhecem o terreno, a dureza da luta e a eficácia das soluções.
Precisamos, por mais que doa aos donos da quinta e do negócio que em 4 anos comeu 3 mil milhões de euros e fez muitos ricos, precisamos, dizia, de um comandante distrital, bombeiro, capaz de agregar, ouvir e valorizar a experiência de todos os comandantes do distrito. Só assim teremos uma estratégia unida, prática e próxima da realidade. E com saber técnico, que o temos e deixámos de o querer ouvir em troca de explicações pífias. Tempo, acessos, incendiários e o diabo a quatro. Só a indústria do fogo é que escapa a este ciclo. O reforço é itinerância, os militares podiam fornecer logística e estão nos quarteis.
Uma política pública séria, de reformas económicas e sociais, que beneficiem largamente estas regiões e que possam atrair os cidadãos.
Estes fogos vão continuar, assumir de uma vez por todas que há povoações que não vão ter meios de combate e têm de se autoproteger. As pessoas que vivem cá precisam de ter lições de comportamento do fogo e combate, existindo meios à disposição.
Basta de tardes que fecham com fogos emergentes em chama aberta e gestão política das ocorrências. Ignorância é falta de factos. E a estupidez é a rejeição dos factos a favor das opiniões. Demasiadas percepções para um povo que fica sem sustento. Não são as esmolas que nos vão resgatar, isso são panaceias. É toda uma economia de montanha que se desmoronou em 24 dias de fogo. Espero que em vez do dinheiro europeu para comprar votos e lavar almas, tragam soluções de fundo. A mais premente, o emparcelamento e a criminalização, dura e severa, dos autores dos fogos. Quem mora no Interior não é tolo. Temos conhecimento, coragem, determinação para resolver estas quatro décadas de desgraça. Tudo o resto é folclore. Mais recato, mais soluções e menos alarido.
Amadeu Araújo – Jornalista