Poucas vezes a História foi tão generosa para com os portugueses como naquele dia 4 de julho de 1776.
Na Filadélfia, reunidos no Congresso Continental, os representantes das treze colónias ousaram desafiar o maior império do seu tempo. Ao assinarem a Declaração de Independência, não apenas fundavam uma nação que viria a transformar o mundo, mas também erguiam um brinde inaugural. O detalhe, tantas vezes esquecido, é que esse brinde não foi feito com champanhe francês nem com cerveja inglesa. O vinho escolhido nasceu na Madeira.
O gosto pelo vinho português revelava igualmente uma posição política. Num certo sentido, o vinho da Madeira funcionou como fermento silencioso da independência americana, porque alimentou a contestação contra as restrições impostas pelo Parlamento britânico. O famoso episódio do Madeira Wine Riots, em Charleston, em 1768, mostrava bem como uma mercadoria portuguesa se entrelaçava na vida quotidiana das colónias.
Menos conhecido é o facto de Thomas Jefferson ter mandado construir na sua adega de Monticello uma divisão própria para armazenar vinho da Madeira, com um sistema de ventilação pensado para manter a temperatura adequada. O terceiro presidente dos Estados Unidos considerava-o insubstituível e chegou a recomendá-lo em cartas a diplomatas americanos na Europa.
Outro detalhe curioso prende-se com o juramento de George Washington como primeiro presidente em 1789, celebrado em Nova Iorque. Após a cerimónia solene, as taças voltaram a erguer-se com vinho da Madeira, confirmando que a jovem república não esquecia a bebida que já marcara o ato fundador de 1776.
O significado desse gesto permanece. Portugal, tantas vezes lembrado apenas pelas caravelas e pelos tratados, deixou também a sua marca em momentos inesperados. Uma garrafa de vinho servida no momento certo bastou para entrar no coração da História.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor