Em setembro de 1968, Cascais e os arredores de Lisboa foram palco de duas noites que entraram para a memória das grandes festas mundiais. A chamada “Costa do Sol”, que durante décadas acolhera famílias reais no exílio, aristocratas europeus e milionários americanos em busca de discrição, viveu um momento inédito: durante alguns dias, Portugal foi a capital do glamour internacional.
Dois dias depois, em 6 de setembro, seguiu-se o ponto alto: a festa de Antenor Patiño, o magnata boliviano do estanho, na sua quinta em Alcoitão. Patiño, herdeiro de uma das maiores fortunas da América Latina, tinha escolhido Portugal como palco das suas exibições sociais, casado com uma aristocrata europeia e com ligações aos círculos mais exclusivos da alta sociedade. A festa na Quinta Patiño ficou célebre não apenas pelo requinte, mas pela lista de convidados. Audrey Hepburn, Gina Lollobrigida, Zsa Zsa Gabor, Omar Sharif, Rex Harrison, o estilista Pierre Cardin, o produtor Darryl Zanuck e a lendária socialite Elsa Maxwell percorreram os salões decorados com cristais e candelabros, exibindo vestidos de alta-costura e joias de valor incalculável. Cascais parecia, por uma noite, mais sofisticada do que Monte Carlo.
Mas havia mais do que estrelas de cinema. Políticos estrangeiros, industriais e membros da aristocracia europeia partilhavam a mesma pista de dança, num retrato perfeito da elite global que encontrava em Portugal algo raro, uma combinação de discrição, beleza natural e um certo exotismo seguro. Para muitos desses convidados, Cascais era ainda uma novidade, um segredo revelado apenas a quem pertencia ao restrito círculo de convites.
Enquanto os jardins da Quinta Patiño se enchiam de música, gargalhadas e champanhe, Lisboa vivia dias de incerteza. António de Oliveira Salazar, após a queda que o incapacitaria, era operado de urgência na Cruz Vermelha. Os jornais, controlados pela censura, limitavam-se a comunicados vagos, enquanto no estrangeiro a imprensa preferia destacar o esplendor das festas. Criava-se assim uma imagem quase surreal de um país dividido entre o silêncio político e a exuberância mundana.
Estas noites de luxo e cosmopolitismo não foram um episódio isolado. Desde os anos 40 que a região do Estoril era conhecida como Costa dos Reis, refúgio de monarcas destronados e nobres sem trono. O rei Humberto II de Itália, o conde de Barcelona, o rei Carol da Roménia ou o duque de Windsor já tinham feito da linha de Cascais o seu porto discreto. As festas de 1968, porém, elevaram essa tradição a outro patamar, colocando Portugal nas páginas das revistas internacionais como destino inesperadamente chique.
Muitos dos convidados regressariam nos anos seguintes, atraídos pela beleza e pela segurança do lugar. O próprio nome Quinta Patiño tornou-se lendário, sinónimo de exclusividade. A memória dessas noites continuou a alimentar a reputação de Cascais como enclave de luxo, hoje visível na sua ligação a grandes eventos internacionais. Foi o instante em que dois mundos se cruzaram, o Portugal fechado do Estado Novo e o universo cintilante das elites globais. Por algumas noites, o país mostrou uma face inesperada ao mundo e Cascais brilhou com tal intensidade que fez parecer, a quem lá esteve, que até Hollywood tinha ficado pequena.
Diz-se que na festa de Patiño circularam mais de mil garrafas de champanhe francês e que as joias exibidas pelas convidadas rivalizavam com as vitrinas da Place Vendôme. Audrey Hepburn, fiel à sua imagem de elegância contida, terá surgido apenas com um discreto colar de pérolas, em contraste com os diamantes exuberantes de Zsa Zsa Gabor. Omar Sharif terá passado parte da noite numa mesa improvisada de bridge, enquanto Pierre Cardin aproveitou para mostrar, em primeira mão, criações da sua nova coleção. A imprensa estrangeira chamou-lhe a noite em que Portugal se vestiu de Hollywood, e nunca Cascais voltou a ser vista da mesma forma.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor