Ullysses Guimarães, o Senhor Democracia… Uma lição actual

Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgámos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradámos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. A moral é o cerne da Pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.

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  • 16:07 | Segunda-feira, 12 de Abril de 2021
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Ullysses Guimarães foi um ícone no combate à ditadura militar brasileira. Conduziu a Constituinte de 88 e veio a morrer em 12 de Outubro de 1992 num acidente de helicóptero.

Ao promulgar a 5 de outubro de 1988 a Constituição Cidadã, proferiu uma lição de ética política sobre valores e princípios democráticos da vida política do Brasil.

Recordemos:


«Chegamos! Esperamos a Constituição como o vigia espera a aurora. Bem-aventurados os que chegam. Não nos desencaminhámos na longa marcha, não nos desmoralizámos capitulando ante pressões aliciadoras, comprometedoras, não desertámos, não caímos no caminho.

Introduziu o homem no Estado, fazendo-o credor de direitos e serviços, cobráveis inclusive com o mandado de injunção. Tem substância popular e cristã o título que a consagra: “A Constituição cidadã”. A Federação é a governabilidade. A governabilidade da Nação passa pela governabilidade dos Estados e dos municípios.

O desgoverno, filho da penúria de recursos, acende a ira popular, que invade primeiro os paços municipais, arranca as grades dos palácios e acabará chegando à rampa do Palácio do Planalto.

A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria.

Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgámos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradámos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. A moral é o cerne da Pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública.

Não é a Constituição perfeita. Se fosse perfeita, seria irreformável. Ela própria, com humildade e realismo, admite ser emendada, até por maioria mais acessível, dentro de 5 anos.

 

 

Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos.

O Estado autoritário prendeu e exilou. A sociedade, com Teotônio Vilela, pela amnistia, libertou e repatriou. A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram.

Adeus, meus irmãos. É despedida definitiva, sem o desejo de retorno. Nosso desejo é o da Nação: que este Plenário não abrigue outra Assembleia Nacional Constituinte. Porque, antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta Casa.

Político, sou caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestades. Uma delas, benfazeja, me colocou no topo desta montanha de sonho e de glória. Tive mais do que pedi, cheguei mais longe do que mereço. Foi a sociedade, mobilizada nos colossais comícios das Diretas-Já, que, pela transição e pela mudança, derrotou o Estado usurpador.

Termino com as palavras com que comecei esta fala: a Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar.

A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: – Mudar para vencer! Muda, Brasil! 5 de Outubro de 1988 “

Ullysses Guimarães

 

(Foto DR)

 

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