Não tenho por hábito ir com frequência ao cemitério, julgo dever-se ao facto de na minha criação este ser um lugar que normalmente só era aberto nos dias dos enterros e na altura dos Santos, no entanto, não tenho memória de não ter ido ao cemitério da minha terra no Dia de Todos os Santos.
Neste dia, reencontramos amigos e familiares espalhados pelos quatro cantos do país e da Europa e recordamos amigos e familiares que partiram para uma viagem que se julga sem regresso.
Neste dia, recordo de forma muito sentida e vivida os momentos passados juntos daqueles que partilharam comigo uma parte da minha vida terrena e que continuam a fazer parte da minha vida que chamo “vida do coração”.
Neste dia, sinto a suavidade das mãos da Virita, quando desempenha a função de manicure para todas as vizinhas, vivo intensamente as tardes de estio no quarto refrescante da Ermelinda, onde se falava de tudo e onde se desabafavam amores e desamores. Se aquelas paredes falassem diriam muito da história das rapariguinhas e rapazes da nossa idade.
Neste dia, saboreio as amoras, os gasalhos, as sanchas, a folha larga, as putigas e os cravos do tio Carvalhoto e queimo a língua com os figos secos assados nas brasas que o tio João Basílio trazia no bolso e partilhava comigo e com as minhas irmãs na cozinha da casa do Corgo. Relembro com especial carinho o punhado das amoras na folha de couve que o tio Carvalhoto me levou a casa, quando estava grávida da minha filha mais velha.
Neste dia, relembro o humor e a forma brincalhona como encarava a vida, da tia Esmeralda e o dia em que o tio João me convidou para ser sua comadre , era eu apenas uma menina de treze anos.
Neste dia saboreio cada chocolate, cada caramelo, cada rebuçado que a tia Maria guardava na maceira e que nos dava com conta peso e medida, para nos adoçar a boca ao longo de um ano. Afinal os filhos só vinham com essas iguarias do estrangeiro no mês de Agosto e era preciso gerir muito bem este banco de guloseimas.
Neste dia, ouço o som dos tamancos do avô Calhau ao subir e descer as escadas de pedra e a calçada com o regador de água que ia buscar à fonte da Tulha, ouço o tilintar do terço nas suas mãos e relembro cada uma das histórias que ele contava.
Neste dia, sinto água na boca com o caldo no pote, com as bolas feitas na sertã com a massa do pão, com as castanhas cozidas no ponte de uma malga, da avó Maria e com a água de ovo da avó Arminda.
Neste dia, vivo uma vida já vivida e agradeço por todas estas pessoas e muitas outras terem feito parte da minha vida.
Neste dia, penso nas palavras de Santo Agostinho, quando perdeu a sua mãe: Não vou chorar por te ter perdido, vou agradecer por te ter tido.
Neste dia, vivo ao lado dos meus mortos…
Ondina Freixo