Professores unidos pela dignificação da classe e por uma Escola Pública de qualidade para todos

Já basta a promiscuidade política verificada em certas escolas, como acontece na Escola Secundária de Emídio Navarro, de Viseu, onde o presidente da Junta de Freguesia aceitou, em 2018,  assumir a presidência do Conselho Geral, o órgão máximo da escola.

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  • 11:24 | Segunda-feira, 30 de Janeiro de 2023
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Docentes e outros profissionais da Educação estão zangados e razões para isso não lhes faltam. Há muito tempo que lutam contra a precariedade que os obriga a andar com a casa às costas, durante anos, muitas vezes trabalhando “para aquecer”, isto é, a aceitar horários incompletos que quase não dão para pagar as deslocações e/ou o alojamento; pelo direito de progressão nas carreiras, negado pelas quotas e por um sistema injusto de avaliação; pela recuperação integral do tempo de serviço congelado  pela Troika (note-se que os governos regionais da Madeira e dos Açores já decidiram pagar faseadamente o tempo de serviço congelado dos seus professores);  pela dignificação da classe, desvalorizada socialmente desde que Maria de Lurdes Rodrigues  se arrogou o papel de disciplinadora implacável de profissionais denegridos como absentistas e privilegiados, dividindo-os em professores de primeira, os titulares, e de segunda.

Confrontada com a manifestação,em Lisboa, de 120 mil professores, em 2008, aquela ministra da Educação teve o desplante de afirmar: “Perdi os professores, mas ganhei a opinião pública!” Resultado: agora há falta de professores nas escolas e os que resistem andam esgotados com trabalho que vai muito para além do normal horário semanal.

O ministro João Costa já reconheceu perante os sindicatos que os professores estão sobrecarregados com tarefas burocráticas e administrativas que lhes roubam tempo que deveria ser mais útil para  planificar aulas e preparar actividades com os alunos, mas ainda não adiantou nenhuma medida para alterar essa causa do desânimo dos docentes.

Os professores lutam ainda pela reposição da gestão democrática das escolas, posta em causa desde que a Assembleia de Escola deu lugar a um Conselho Geral com poderes de eleger um director, a velha figura do tempo da ditadura de má memória, que veio substituir o órgão colegial  Conselho Directivo, mais tarde Conselho Executivo. O director acumula poderes discricionários que podem abrir espaço a pulsões autoritárias. Há, felizmente, directores que já se manifestaram contra a proposta da tutela de criação de uma carreira própria, não aceitando  alienar-se da classe docente e estando solidários com a actual luta dos colegas.


Os professores e restantes profissionais da educação também contestam a municipalização do ensino (ensaiada pelo governo com o apoio do PS, do PSD, da Il e da extrema-direita e a oposição da esquerda), pelo que isso significaria de porta aberta ao nepotismo e ao compadrio,verificado noutros sectores. Já basta a promiscuidade política verificada em certas escolas, como acontece na Escola Secundária de Emídio Navarro, de Viseu, onde o presidente da Junta de Freguesia aceitou, em 2018,  assumir a presidência do Conselho Geral, o órgão máximo da escola. Apesar de o diploma do governo sobre a transferência de competências para as autarquias não contemplar a contratação de docentes, a verdade é que Rui Moreira e Carlos Moedas já afirmaram estar interessados nisso. O ministro chegou a propor que os directores pudessem seleccionar 30% dos “seus” professores, mas face à contestação sindical, acabaria por manter apenas o modelo de selecção através da graduação profissional. No entanto, ainda não está descartada a criação do Conselho Intermunicipal de Directores que teria poderes discricionários na gestão dos docentes numa área bastante alargada.

Note-se que nos países em que a municipalização da Educação foi experimentada aumentaram as desigualdades entre municípios e reduziram-se os direitos laborais dos profissionais envolvidos. No Reino Unido, as políticas (neo)liberais (aqui defendidas pela IL) provocaram a falta de professores e a consequente quebra do nível do ensino, como na Matemática, muito inferior ao do nosso país. Também nos Países Baixos, com um governo liberal, um relatório de 2018 mostrou o declínio acentuado do ensino. Não esqueçamos que o partido da extrema-direita com acento no nosso Parlamento, no programa às eleições de 2019 defendia a extinção do ministério da Educação e a abolição da escola pública.

 

Para se aquilatar das razões dos professores, deixo aqui dois casos que me são próximos: A minha irmã, Catarina, professora há 24 anos, com mestrado pré-Bolonha, está no 4.º escalão, ganha 1.263 € líquidos, e já passou pelas seguintes localidades: Aguiar da Beira, Alpendurada, Argoncilhe, Grândola, Aljustrel, Amareleja, Anadia, Arouca, Caramulo, Castelo de Paiva, Cinfães, Águeda. Teve o filho já tarde por ter estado à espera de entrar no quadro e ficar mais perto de Viseu, acabando, no entanto, por ter de fazer 4 horas de viagem  para ver o bébé todos os dias.

O meu irmão, Vitor, tem 62 anos e está no 6.º escalão, longe do topo da carreira, a ganhar 1.400 € líquidos, reside em Viseu e lecciona na Branca (Albergaria-a-Velha),  pelo que tem de percorrer diariamente 150 km, ida e volta, gastando 20 €/dia em gasóleo e portagens, fora os gastos com revisões, pneus, etc., e o desgaste físico e psicológico que já lhe provocou um enfarte do miocárdio.

A propósito, a revogação das alterações desumanas do regime da Mobilidade por Doença tem sido uma luta da FENPROF.

Após três rondas de negociações, o ministro não cede e os professores radicalizam a luta. A plataforma sindical que inclui a FENPROF e outras 6 estruturas sindicais tem a decorrer a greve por distritos, com adesões perto dos 90%. A de Viseu será a 7 de Fevereiro, com concentração no Rossio às 11,30h, onde irá estar Mário Nogueira. Também está a decorrer até 31 de Janeiro a greve por tempos, convocada pelo STOP. O SIPE mantém até 8 de Fevereiro a greve ao 1º tempo de aulas, apenas nos distritos não abrangidos pelas greves distritais, que apoia. A FNE acaba de anunciar a adesão às greves distritais e convoca uma greve para 8 de Fevereiro. A 11 de Fevereiro, em Lisboa, terá lugar mais uma manifestação nacional convocada pela FENPROF. Esperemos que tenha tanta ou mais gente como a que juntou entre 80 mil a 100 mil profissionais da Educação (segundo a organização), em 14 de Janeiro, convocada pelo STOP.

Entretanto, este Sindicato de Todos os Profissionais da Educação também convocou a manifestação que juntou cerca de 80 mil pessoas, este sábado, dia 28 de Janeiro, em Lisboa,  antes do início dos “serviços mínimos” durante as greves, propostos pelo ministro, a partir de Fevereiro, que o STOP considera um “gravíssimo atentado ao direito à greve”.  Uma petição online com mais de 4 mil assinaturas foi enviada ao Presidente da República para intervir no sentido de impedir esta medida. A FENPROF também contesta a legalidade destes “serviços mínimos”. De notar que há muitas associações de pais/mães que estão solidárias com os professores na defesa de uma escola pública de qualidade, apesar da lamentável posição da CONFAP que prefere que as escolas sejam armazéns de crianças e jovens.

Mais um sinal de que o PS e o seu governo gostariam de reduzir o direito à greve foi dado por Augusto Santos Silva, presidente da A.R., numa conferência do PS, no ISCTE, onde afirmou que “o populismo está longe de se reduzir à extrema-direita” porque “a pulsão anti-sistema e anti-elites políticas (…) também existe hoje nos métodos de contestação com violência urbana que degradam o uso da greve e com isso apagam fronteiras com a extrema-direita e permitem uma circulação entre os dois extremos” (Público, 24.01.23). Conversa rasca de um grosseiro ideólogo do “extremo-centro” para justificar não só a onda de escândalos de corrupção e nepotismo que abalam o governo e os partidos do centro e da direita, como também a continuidade das políticas dos governos da direita, nomeadamente para a Educação, que devia envergonhar o seu partido.

 

(Fotos de Carlos Vieira)

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Publicado em Opinião