Portugal que amanhece

O mundo natural ignora o que se passou nas últimas eleições. Indiferentes a um programa político digno de uma distopia – que defende que o grande crime se combate no pequeno delito – os patos continuam nos lagos, corridos a chuva miudinha.

  • 10:51 | Quinta-feira, 28 de Janeiro de 2021
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Há um Verão luminoso, quente e solarengo à nossa espera.

Está lá, depois de Junho, nas praias da nossa costa, quando provavelmente voltaremos à rua conquistada a duras penas, confinamento a confinamento, máscara a máscara, privação a privação.

O mundo natural prossegue, entretanto, indiferente às pandemias que afectam humanos, num planeta que tenta respirar apesar das muitas atrocidades que lhe infligimos, poluindo tudo, extorquindo recursos para além do possível, dominando os elementos até à insanidade nuclear.


O mundo natural prossegue, nas árvores que ousam exibir botões que hão de florir, nos pássaros que continuam a sua saga, apesar da névoa, do frio e da chuva.

O mundo natural ignora o que se passou nas últimas eleições. Indiferentes a um programa político digno de uma distopia – que defende que o grande crime se combate no pequeno delito – os patos continuam nos lagos, corridos a chuva miudinha.

Também os xaréus que se abrigam em copas maiores de árvores – que silenciosas agradecem ter escapado às podas assassinas – ignoram que milhares de pessoas votaram em alguém que consegue defender, sem sentir vergonha, que aos ladrões “não faria mal” cortar-lhes as mãos.

O Estado Islâmico corta mãos a ladrões; grupos de justiça popular no México cortam mãos a ladrões; agora temos um professor de Direito, em Portugal, a dizer que “não faria mal” cortar as mãos a ladrões.

Fico a pensar nas pessoas que votaram em alguém que diz isto. A sério? Acham mesmo que se deve cortar as mãos a ladrões? Com um cutelo? Numa cirurgia de amputação com direito a cirurgião? Com ou sem anestesia? Com requintes de sofrimento? Com terapia antibiótica a seguir ou deixando-os morrer sozinhos?

Temos, portanto, meio milhão de pessoas a defender um retrocesso civilizacional bárbaro, num país onde há menos de 50 anos se vivia debaixo de ditadura.

O que nos leva a pensar que a liberdade e a democracia – esta liberdade e esta democracia – não nos trouxeram a um lugar onde todas as pessoas puderam evoluir até ao mínimo olímpico de respeitar a dignidade humana.

O que falta fazer? Tudo.

A “Educação” não chega.

Passar 17 anos em escolas não é salvo conduto para a humanidade. Não conseguimos garantir que a Educação nos torna humanos. O que falta então?

Menos tolerância democrática?

Com a desistência cívica a que assistimos, a nossa democracia ainda permitirá ao fascismo instalar-se de novo. Em nome da liberdade de expressão, em nome da moral e bons costumes democráticos, em nome da tradição humanista.

Esta mania de ver tudo pela nossa régua mental, pode custar-nos muito caro.

Tanto como perder uma mão.

Felizmente para os xaréus, a vida oscila entre dias de sol e chuva, comida disponível e predadores.

É quando sabemos que o Verão voltará.

Mas neste Portugal, onde o fascismo já espreita, nada será como dantes.

 

 

 

 

 

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