Porque é que em 50 anos nada mudou no jornalismo regional?

Enquanto o jornalismo nacional avança, sem medos, porque nas derrapagens, está lá o governo para os apoiar, o regional estagna e não avança. Aliás, faz marcha-atrás. Há uma verdadeira cultura política para acabar com a maior parte dos títulos da imprensa regional.

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  • 12:17 | Quarta-feira, 02 de Julho de 2025
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Tenho 28 anos de jornalismo, ininterrupto. É uma vida, de muitas experiências, muitas reportagens e uma aprendizagem contínua e muito profícua. Estes anos de jornalismo como principal fonte de rendimento, deu-me, sem sombra de dúvida, algum à-vontade para teorizar sobre a razão por que o jornalismo regional não sai da cepa torta. Importa referir que o meu pensamento não se baseia em previsões astrológicas, ou cartas de Tarot, mas sim são baseadas no estudo do setor, que desde sempre o tenho feito e mais recentemente, juntando-se as medidas que estão em cima da mesa do Secretário de Estado e do Ministro Leitão Amaro.

“O jornalismo regional debate-se e contorce-se com a falta de recursos e financiamento para poder trabalhar de uma forma autónoma e isenta”

Quem trabalha no regional, sabe perfeitamente que não é fácil impormos a nossa marca, a nossa visão de como vemos os acontecimentos do dia a dia, e acima de tudo, a nossa independência.

O jornalismo regional debate-se e contorce-se com a falta de recursos e financiamento para poder trabalhar de uma forma autónoma e isenta. Quanto mais locais somos, mais independência perdemos. Se queremos fazer um trabalho de cobertura das diversas agendas, (política, cultura, eventos, etc.) para a comunidade onde estamos inseridos (seja grande ou pequena), precisamos de jornalistas, equipamento, viaturas, redação, parque tecnológico e meios de difusão (papel ou digital). Isso custa muito dinheiro, para o investimento inicial, e depois para suportar toda a estrutura da operação.


As fontes de financiamento que os veículos informativos têm à disposição resumem-se à venda da publicidade, assinaturas (papel e digital), banners no formato digital e venda de jornais ou revistas em formato tabloide. Há também aqueles são aconchegados pelo poder local, e conseguem avenças razoáveis ou venda de páginas de publicidade (por vezes propaganda pura). Desde que sou gente nesta área, a fórmula é sempre esta e nada mudou em 50 anos, ou pelo menos em 28 anos da minha experiência in loco.

Importa referir que temos uma legislação e legisladores, no que ao jornalismo diz respeito, que são muito profícuos a encontrar soluções, para os jornais…nacionais! Em 50 anos de jornalismo regional, podemos apenas falar de apoios para o Porte-Pago para a imprensa regional, e mesmo este subsídio já foi alvo de pretensões de mudança, mas felizmente ainda se mantém. Enquanto o jornalismo nacional avança, sem medos, porque nas derrapagens, está lá o governo para os apoiar, o regional estagna e não avança. Aliás, faz marcha-atrás. Há uma verdadeira cultura política para acabar com a maior parte dos títulos da imprensa regional.

“90% dos títulos vai afundar. Literalmente!”

Nunca se falou tanto, nos últimos 15 meses, sobre regulamentos e apoio para a imprensa regional, mas de facto, o que tem avançado e que se tem materializado em apoios reais, são os subsídios ao jornalismo nacional. E não podemos esquecer que a ser aprovado o regulamento ainda negociado pelo anterior governo, vai ser mais uma estaca nas empresas de comunicação, pois obriga-nos a investir e a suportar condições de trabalho que não se coadunam com a capacidade de retorno financeiro levantadas pelos órgãos de comunicação regionais.

Vai ser bom para meia dúzia de jornais, que têm uma implantação regional robusta, tendo os seus canais comerciais já muito desenvolvidos e em que auferem mensalmente do poder público verbas interessantes. Mas isto resume-se a 10% dos títulos existentes. 90% dos títulos vai afundar. Literalmente! Só para terem uma ideia de uma das medidas previstas, obriga que todos os jornais tenham ao seu serviço um jornalista profissional, que vai onerar as operações mensalmente em mais de 2 mil euros. Isto do proprietário e diretor fazer as notícias, vai acabar. Se realizarmos que 90% da imprensa regional subsiste justamente porque é o proprietário e diretor que empurra o barco, este novo regulamento a ser aprovado e implementado, vai ser a machadada final no jornalismo regional.

“O que vai haver são regras muito apertadas para estrangular de vez o jornalista e o jornalismo de proximidade.”

Ao governo, assiste a ideia que é mais fácil controlar 50 a 100 jornais regionais, do que 800 (número aproximado) ou 1700 como erámos há bem pouco tempo. A estratégia do governo está a resultar, porque anualmente centenas de órgãos de comunicação encerram a atividade, e agora prepara-se o desfecho da cortina final. Quando sair o novo regulamento, o jornalismo regional plural, forte e independente, acaba. Ficam apenas aqueles que reúnem as condições para serem subsídio-dependentes das câmaras (uns 100 jornais se tanto). Isto é o sistema a testar-nos e a forçar-nos a mudar ou a acabar. E nós vamos deixando.

Isto tudo acontece justamente porque nunca houve uma política para a imprensa regional. Nem vai haver tão cedo. O que vai haver são regras muito apertadas para estrangular de vez o jornalista e o jornalismo de proximidade. É a globalização, os grandes grupos de comunicação que perdem anualmente muito dinheiro para a imprensa regional de receitas publicitárias, e decidiram também ajudar o legislador a fazer mais pressão na bota que nos sufoca e tira o ar.

“É esta pressão e este medo constante, de uma forte retaliação a vários níveis, que nos empurra a todos para a beira do precipício…”

Temos tudo e todos contra nós. Mas a culpa desta situação não é só do sistema. É também nossa. Sempre vivemos à sombra da bananeira, no que tange os direitos e deveres da profissão e nunca quisemos saber nem tão pouco perder (ou investir) um pouco de tempo a pensar de como havemos de dar a volta ao texto. Como o povo diz, “para se dançar o tango, são precisos dois”, e nós fizemos a nossa parte, fomos o parceiro mais passivo desta dança. Deixámos que o parceiro ativo nos conduzisse e agora pode ser tarde demais.

No final, não somos só nós, profissionais do setor que perdemos. Perde o país e as pessoas, que deixam de contar com a primeira linha de defesa da democracia, em que somos os primeiros fiscais dos 308 municípios que o país tem. É factual que 80% das notícias sobre a corrupção e as más práticas da gestão dos dinheiros públicos, em organismos regionais (quase sempre as câmaras) que aparecem nas notícias nacionais, são de origem do jornalismo de proximidade, que em associação com os canais nacionais, guia-os para a difusão da possível corrupção, pois se muito do compadrio fosse denunciado pela imprensa de proximidade, vidas perigavam e jornais já tinham encerrado, sem falar dos processos em tribunal que os jornalistas regionais iriam ter que enfrentar.

É esta pressão e este medo constante, de uma forte retaliação a vários níveis, que nos empurra a todos para a beira do precipício, chegando agora a uma encruzilhada. Ou lutamos ou encerramos. Vamos a tempo? Não sei!

No próximo artigo, e conforme prometido no artigo anterior, vou argumentar de “Como se combate esta estratégia que visa afundar este setor”.

 

 José Vieira – Jornalista e Presidente da Mesa da Assembleia Geral da APMEDIO (Associação Portuguesa dos Media Digitais Online)

 

 

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