Para quem é este país?

Este país também não é para uma boa parte das crianças. Para quem é este país? O nosso maravilhoso país tem quem dele beneficie: os nómadas digitais; os detentores de Vistos Gold; os boys e girls que saltam das cadeiras das faculdades para as poltronas dos gabinetes ministeriais; os banqueiros; os especuladores imobiliários; os facilitadores; as famílias com pedigree…

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  • 19:16 | Domingo, 14 de Maio de 2023
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No Podcast Expresso da Manhã (17/03/2023), Paulo Baldaia e Tiago Soares debatem o tema dos lares em Portugal. Dão nota do valor das pensões médias – cerca de 500€ – e do valor médio a pagar pela mensalidade numa Estrutura Residencial Para Pessoas Idosas (ERPI) – 1300€.

São necessárias praticamente duas pensões e meia para fazer face ao valor de uma mensalidade. Sem o contributo das famílias, muitas das pessoas que necessitem do apoio destas estruturas estão condenadas a recorrer a lares ilegais sem condições mínimas de assegurar a dignidade humana. “Quem chega a velho com pouco dinheiro e a precisar de cuidados, rapidamente percebe que este país não é para velhos.”

O país também não é para os mais jovens que engrossam os fluxos migratórios. A falta de oportunidades de emprego compatíveis com as suas qualificações e legítimas expectativas, a precariedade e os baixos salários levam à fuga de cérebros.

Tem futuro um país com uma taxa de natalidade baixíssima? Tem futuro um país que não cria as condições mínimas para que as crianças não vivam no limiar da pobreza?


De acordo com os dados do Ministério da Educação, quase 40% das crianças em idade escolar recebiam algum tipo de apoio da Ação Social Escolar. Tem-se registado o aumento de crianças abrangidas pela ASE, desde 2020. As dificuldades relacionam-se, essencialmente, com a alimentação. Os “sinais de fome” são cada vez mais evidentes:

As escolas são a primeira porta onde as famílias batem para pedir ajuda. Há alunos a pedirem lanches ou reforços.”  (Manuel Pereira da Associação Nacional de Dirigentes Escolares)

Há uma tendência de subida e claros sinais de empobrecimento decorrentes da crise inflacionista. Há escolas que fazem recolhas de alimentos para distribuir cabazes pelas famílias.” (Filinto Lima da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas)

O número de alunos a comer em cantinas aumentou no último ano, bem como as dívidas das famílias no pagamento das refeições.” (Marina Carvalho da Confederação Nacional de Pais)

Este país também não é para uma boa parte das crianças. Para quem é este país? O nosso maravilhoso país tem quem dele beneficie: os nómadas digitais; os detentores de Vistos Gold; os boys e girls que saltam das cadeiras das faculdades para as poltronas dos gabinetes ministeriais; os banqueiros; os especuladores imobiliários; os facilitadores; as famílias com pedigree… Se me esqueci de algum grupo, desculpem-me, é muito provável que tal tenha ocorrido.

 

 

O estudo apresentado pela Knight Frank, em parceria com a imobiliária Quintela e Penalva, conclui que Lisboa está mais cara do que o Dubai no segmento de luxo. Portugal tem as suas famílias “Roy” e os seus Logan que, na série Succession (HBO) controla um dos maiores conglomerados de meios de comunicação e entretenimento do mundo.

Uma trama que consiste em ver gente adulta que, precisamente porque tem tudo, não sabe o que fazer com a sua vida e vai deixando braços e pernas pelo caminho.” (Daniel García, ICON)

Esta observação do diretor da revista ICON ser-nos-á familiar, basta lembrarmo-nos dos sapatos da Christian Louboutin, dos carros de luxo da TAP, do anúncio de dois aeroportos, do “roubo” de um computador…

 

 

Quando estala o verniz, percebemos que os amantes do “luxo silencioso”, nascidos em berços de ouro, levados ao colo por interesses, mais ou menos ocultos, deixam braços e pernas pelo caminho, mas não são dos próprios, são das crianças que não têm alimentos, dos jovens que emigram ou dos velhos vítimas de idadismo, da pobreza geracional e que vivem os últimos dias em condições indignas e desumanas.  

Enquanto os caprichos, vícios e dislates forem suportados pelas respetivas famílias e seus orçamentos, nada a opor, quando se trata dos destinos de um país e da vida das portuguesas e dos portugueses não o podemos tolerar e suportar.

Cada vez que se entrega um kit de higiene pessoal, um saco de roupa, alimentos ou apoios de outra natureza, lembro-me das guerras de alecrim e manjerona a que assistimos, dia-após-dia, e da ineficiência de um sistema que contribui para o empobrecimento do nosso país, das nossas famílias, das nossas crianças, dos nossos jovens e dos nossos mais velhos.

 

 

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Publicado em Opinião