Os três D da pobreza

Há três questões que considero muito relevantes: 1- quase metade dos portugueses são pobres antes das transferências públicas – pensões, prestações sociais, subsídios – 2 - muitos trabalhadores são pobres; 3 - a pobreza na infância, nas famílias monoparentais e nas famílias com muitos filhos é mais elevada do que a média geral do país.

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  • 14:20 | Sábado, 10 de Julho de 2021
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Quase um quinto dos portugueses, cerca de 2 milhões de pessoas, estava em risco de pobreza em 2018. Quando começávamos a ter sinais positivos de alguma reversão da pobreza, fomos surpreendidos pela pandemia, cujas consequências são, neste momento, difíceis de prever na sua multidimensionalidade. Não há ainda a real perceção do impacto da crise social e económica provocada pela pandemia que afeta o nosso país e o mundo. Se é evidente que todas as pessoas sofrem com o vírus Covid-19, não restam grandes dúvidas de que os mais pobres estão a ser atingidos com uma dureza superlativa em relação a outras categoriais sociais.

Segundo o Eurostat (2010, p.6), as pessoas encontram‑se em situação de pobreza se o seu rendimento e os seus recursos forem tão inadequados que as impedem de ter o padrão de vida considerado aceite na sociedade em que vivem. Por causa da sua situação de pobreza podem sofrer de múltiplas desvantagens através do desemprego, rendimento baixo, habitação pobre, cuidados de saúde inadequados e barreiras à aprendizagem ao longo da vida, cultura, desporto e lazer. Elas são muitas vezes excluídas e marginalizadas da participação em atividades (económicas, sociais e culturais) que são a norma para outras pessoas e o seu acesso a direitos fundamentais pode ser limitado.

Há três questões que considero muito relevantes: 1- quase metade dos portugueses são pobres antes das transferências públicas – pensões, prestações sociais, subsídios – 2 – muitos trabalhadores são pobres; 3 – a pobreza na infância, nas famílias monoparentais e nas famílias com muitos filhos é mais elevada do que a média geral do país.


À pobreza infantil deve dar-se particular atenção. A probabilidade de uma situação de pobreza na infância se traduzir numa situação de pobreza na idade adulta é elevada. Atendamos, neste ponto, à indicação de Alfredo Bruto da Costa (Pobreza e Exclusão Social em Portugal, 2015, p. 10): “A criança pobre participa da pobreza da família. Daqui resulta que o combate à pobreza das crianças implica o combate à pobreza das respetivas famílias.”

As políticas de erradicação à pobreza, para que possam ser bem-sucedidas, devem priorizar as crianças, por forma a quebrar o ciclo vicioso da transmissão geracional da pobreza.

O novo estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos A pobreza em Portugal: Trajectos e Quotidianos» identifica três fatores que contribuem para a entrada numa situação de pobreza em Portugal ou que impedem que se saia dessa condição: O desemprego, a doença e o divórcio. Esses três processos de produção, reprodução ou intensificação dessa situação são “os três D da pobreza”.

Os autores do estudo identificam “quatro perfis de pobreza em Portugal”, entre quem tem mais de 18 anos: os reformados (27,5%), os precários (26,6%), os desempregados (13%) e os trabalhadores (32.9%). Uma das conclusões a retirar é que um terço das pessoas pobres (32,9%) tem emprego.

Este trabalho, de grande envergadura, vem contrariar o mito do pobre que não trabalha ou, como muito demagogos e populistas afirmam, não quer trabalhar. A realidade é esta, muitos pobres trabalham regularmente, há anos, têm contratos de trabalho e vínculo laboral, mas não conseguem superar a situação de pobreza. Uma situação dificilmente reversível enquanto tivermos uma cultura de baixos salários. Temos assistido, nos últimos anos a uma desvalorização do valor do trabalho.

A pobreza em Portugal, um país pobre com parcos recursos, é estrutural. A pouca eficácia das políticas públicas torna a pobreza endémica. Portugal tem um problema crónico de insegurança alimentar que se agrava a cada crise, seja austeritária ou pandémica. Como resultado da crise pandémica atual, assistimos ao aumento dos pedidos de ajuda alimentar. Chamo a atenção para o seguinte, enfrentamos não só situações de insegurança alimentar transitórias, originadas pela pandemia, mas fundamentalmente “níveis não negligenciáveis de incidência de insegurança alimentar crónica, dada a sua aparente natureza estrutural decorrente da associação com a condição de pobreza estrutural das famílias, situação amplamente diagnosticada e debatida a todos os níveis na sociedade portuguesa.” (Susana Brissos, Le Monde Diplomatique, julho de 2021).

Exigem-se políticas públicas de alimentação coerentes que tornem desnecessário um crescente assistencialismo. Precisamos de políticas públicas integradas e não de programas ou de medidas avulsas.

Caras portuguesas e caros portugueses, amigas e amigos, a pobreza não é uma fatalidade política nem cívica. Estamos a falar de diretos humanos e não de favores, caridade, dádiva…

Não podemos ter uma atitude contemplativa relativamente aos vários tons da pobreza, resistamos, façamos ouvir a nossa voz. É possível eliminar esta chaga social que nos envergonha.

A administração Biden dá o exemplo: “No país mais rico do mundo, quando se trabalha 40 horas por semana, não se deve viver na pobreza”. Já está na mesa dos legisladores, segundo a agência France Presse (AFP), uma proposta ambiciosa do novo presidente norte-americano de duplicar o salário mínimo para tirar milhões de norte-americanos da pobreza. Esta medida pode revelar-se uma revolução social para os mais pobres dos Estados Unidos, adianta a agência de notícias francesa.

 

 

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Publicado em Opinião