Os socialistas estão em choque e vão continuar a lamber feridas nos próximos tempos. Ter um dos piores resultados da sua vida, passar a terceiro partido, desbaratar décadas de entendimento com os portugueses, são razões suficientes para que se olhe o futuro com muita preocupação. O PS está em péssima situação e tem de começar a reganhar a confiança dos eleitores já nas próximas autárquicas.
O líder anterior saiu, sem apreender nada do que se tinha passado, na noite eleitoral. O presidente do partido entendeu não assumir as funções de secretário-geral interino e levar o barco a bom porto até outubro. José Luís Carneiro apresentou-se como candidato. Os partidos têm horror ao vazio.
Mariana Vieira da Silva tem vindo a ser a voz mais afirmada na reivindicação de um período de debate antes da eleição de um novo líder. Só que Mariana, com excelente pensamento e boa gestão de interesses governativos, tem dois problemas graves: 1 – não conhece suficientemente o partido nem o país; 2 – precisa de se libertar do problema que muitos quadros do PS comportam – o crescimento a partir do poder. Um regresso à vida académica, partilhado com a função parlamentar, vai fazer muito pelo seu futuro.
Perante isto, que importa reclamar o tal debate se não há quem o possa antagonizar com vantagem no imediato? O que se ganharia com a não resolução do problema da chefia já?
O debate que importa fazer é, no essencial, sobre o país que somos, também sobre o PS em que nos transformámos e, como enquadramento e exame, sobre as ameaças dos partidos radicais na Europa. E ainda sobre a importância do poder local no país e nos partidos, como este começa a criar grandes problemas à nossa democracia.
1. Eleições autárquicas
O Partido Socialista vai ter um novo líder e vai para eleições autárquicas tentando ter o melhor resultado possível. Os candidatos estão escolhidos, encontram-se em campanha e confrontam-se com a terrível situação de terem assistido a um resultado nacional miserável.
Ora, o que interessa é que todos, dirigentes, deputados e militantes permitam aos mesmos candidatos a afirmação do “seu próprio partido”. Que se faça nesta campanha o que releva – o PS deve ser a casa grande de todos os portugueses independentemente da sua posição ideológica.
Os dirigentes devem ter a preocupação de não vir para a praça pública quando os candidatos se afirmarem de forma mais local relativamente a problemas tão complicados como a imigração ou a segurança. Devem entender que cada realidade específica deve ter uma resposta diferenciada. Ninguém está autorizado a criticar este ou aquele, a fazer o que fizeram a Ricardo Leão ou a Sónia Sanfona.
É a hora de tocar a reunir, é o momento para esvaziar os egos e as certezas.
2. Revisão da Constituição
Ainda não tinham passado dois dias das eleições e já havia anúncios de projetos de revisão constitucional. A esses avisos reagiram deputados próximos da anterior direção afirmando que Portugal não tem um problema constitucional e que uma revisão pode abrir a porta à extrema-direita.
Para além de estarem já a marcar a próxima liderança, esqueceram que o PS tinha apresentado, em 2022, um projeto de revisão constitucional e que havia um procedimento parlamentar em curso no inicio de 2024. Os socialistas não podem deixar de estar abertos a uma revisão da Constituição da República Portuguesa com uma maioria alargada que assente num quadrilátero – AD, PS, IL e Livre. A AD nunca viu o Livre como radical e o PS não pode continuar a ter atitudes pueris relativamente à IL
Há muita coisa a rever. Mais de cento e oitenta artigos da CRP merecem debate e ponderação. Não deve ser um processo rápido, antes um trabalho cuidado e que não resulte da imaginação e militância de dois ou três deputados, antes o sentir dos simpatizantes e dos votantes do PS. Se perguntarmos aos eleitores socialistas se ainda faz sentido manter na CRP o “caminho para o socialismo”, teremos uma resposta esmagadora da sua desnecessidade.
Importa mais não ceder nos direitos, liberdades e garantias do que fazer finca pé numa norma arqueológica.
Perante este cenário, é muito relevante que quem estiver na primeira reunião da Conferência de Líderes da AR da nova legislatura, solicite, aos diferentes grupos parlamentares, que só sejam apresentadas as iniciativas de revisão depois das autárquicas. Daria tempo para que todos ponderassem os projetos, para que os trinta dias obrigatórios, para ir a jogo, não obrigassem a propostas irrefletidas.
Assim, o PS deve entrar em campo, não dar razões para que alguém opte por aprovar a revisão constitucional com partidos radicais.
3. Eleições presidenciais
O PS já estava profundamente dividido sobre este tema antes das legislativas. Tudo porque o líder anterior, infantilmente, decidiu abrir um saco com muitos nomes. Tudo poderia ter sido muito bem tratado, com o cuidado devido, mas não foi.
Os socialistas estarão sempre desavindos e não vão juntar-se, nem que António Vitorino decida agora ser candidato.
António José Seguro tornou a sua candidatura irreversível, Rui Tavares vai tentar encontrar um candidato que fale às elites da esquerda. Temos o pior dos cenários.
Ora, podendo o PS, depois dos resultados autárquicos que serão sempre muito melhores que os das legislativas, ir mais fundo na desgraça que aconteceu nestas eleições de maio?
Com a redução significativa dos votos, haverá a diminuição dramática das subvenções. Isso levará a cortes na despesa que impedem qualquer comparticipação financeira para a campanha e tenderá a criar tensão no universo dos colaboradores do partido, sendo que alguns deles poderão vir a ter os seus contratos terminados.
Por tudo isto, o próximo líder deve deixar clara a sua posição na moção com que se faz eleger. Se não o fizer, será ele o responsável, agora já sem desculpas, pela continuação da divisão e pelo aprofundar das divergências políticas que aconteceriam se houve o tal apoio formal a um candidato. Estou certo que Carneiro entende bem o cenário que se apresenta.
Ascenso Simões
Gestor e ex-Membro do XVII Governo Constitucional