O padre português que enfrentou Hitler em silêncio

Enquanto diplomatas e altos dignitários preferiam a prudência ao risco, Padre Carreira escolheu a coragem. Escondeu judeus perseguidos dentro das paredes do colégio que dirigia — homens, mulheres, crianças. E escondeu também combatentes antifascistas italianos. Fê-lo com astúcia, mas sobretudo com humanidade. Não pediu medalhas. Pediu silêncio e discrição. E salvou vidas.

Tópico(s) Artigo

  • 9:00 | Sexta-feira, 18 de Julho de 2025
  • Ler em 2 minutos

Em tempos de ruído e vaidade, onde os heróis se medem pelo número de seguidores e não pela grandeza do sacrifício, convém recordar um português que, no silêncio de Roma, arriscou tudo para salvar vidas. O seu nome não aparece nas manchetes dos jornais, não inspira séries da Netflix nem campanhas ministeriais. Mas devia ser ensinado nas escolas, gravado em placas de rua e pronunciado com respeito: Padre Joaquim Carreira, o Justo entre as Nações.

Nascido em Leiria, em 1908, Joaquim Carreira era um homem discreto, um padre católico português como tantos outros — até que a História o chamou. Quando as tropas de Hitler ocuparam Roma em 1943, o medo instalou-se em cada rua, cada janela, cada consciência. E foi nesse clima de terror que o reitor do Pontifício Colégio Português se recusou a ser neutro.

Enquanto diplomatas e altos dignitários preferiam a prudência ao risco, Padre Carreira escolheu a coragem. Escondeu judeus perseguidos dentro das paredes do colégio que dirigia — homens, mulheres, crianças. E escondeu também combatentes antifascistas italianos. Fê-lo com astúcia, mas sobretudo com humanidade. Não pediu medalhas. Pediu silêncio e discrição. E salvou vidas.


É curioso, e triste, notar que durante décadas Portugal ignorou a grandeza deste seu filho. Foi preciso o Estado de Israel descobrir os seus feitos, investigar os seus actos e, finalmente, reconhecê-lo em 2015 com o título de “Justo entre as Nações” — distinção reservada a quem, não sendo judeu, arriscou a própria vida para salvar judeus durante o Holocausto.

Padre Joaquim Carreira entra assim num panteão ético onde estão Oskar Schindler e Aristides de Sousa Mendes, dois homens que também disseram “não” à indiferença e “sim” à dignidade humana. Mas enquanto Schindler teve um filme e Sousa Mendes ganhou o reconhecimento institucional que merecia, o nome de Carreira continua a ser murmurado, quando devia ser proclamado.

É um sintoma português: celebramos os nossos heróis quando já é tarde, quando já morreram, quando já não causam incómodo. Mas o seu exemplo incomoda, porque obriga a uma pergunta: e nós, no lugar dele, teríamos feito o mesmo?

Numa época em que a neutralidade moral volta a disfarçar-se de moderação, e a coragem cívica é substituída por cálculos políticos, recordar o Padre Joaquim Carreira não é apenas um acto de justiça. É um apelo. Um desafio. Um murro na mesa da nossa complacência.

Mais do que padre, mais do que português, foi humano num tempo desumano. E isso basta para lhe erguer memória.

 

 

 

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

 

 

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por