Tinha jurado a mim próprio não escrever sobre política neste intervalo de campanha autárquica. Mas não deu, não dá. Escrevo então sobre um assunto que poderia ser caseiro, mas não é, sobre o que poderia ser um caso isolado, mas não é.
Na minha página pessoal do facebook, publico o que muito bem me apetece, sem dar satisfações a ninguém, respeitando sempre os princípios da civilidade e da aceitação do contraditório. Não aprecio entrar pelos caminhos da agressividade, salvo se certos limites foram ultrapassados e as linhas vermelhas pisadas.
Escrevo os meus textos, tendo sido interpelado, há tempos, insolentemente por um sujeitinho, com tiques de autoritarismo moral, que vim a apurar ser agente das forças de segurança, quando critiquei o Chega. Coincidências. Tanto pior, é só azares.
Por vezes, publico fotos que respigo de outras páginas, quando elas, no meu critério, são inverosímeis, tocam o ridículo e fazem rir. Nunca explorei a sua indecência e inoportunidade, a sua grosseria e boçalidade, o mau gosto. E fotos de todos os quadrantes, sem filtros e sem culpa de que uns se ponham mais a jeito do que outros. Habitualmente, faço-o, sem comentários, deixando que cada leitor faça o seu juízo.
Uma coisa é discordar, contrariar, argumentar, outra bem diferente é ameaçar, tentar silenciar, intimidar, condicionar. Todos temos direito de viver em democracia, desde que não abusemos de princípios universais. Mas a democracia não pode acolher no seu seio quem tudo faz para que ela seja precária e provisória, um faz-de-conta. Gente que quer de volta a aberração, o desnatural, a perseguição, a marca, o estigma.
Eu tenho feito os meus cálculos e noto este pormenor curioso, mas também triste e revelador de mistérios insondáveis. Sempre que escrevo sobre o Chega, os comentários são quase nulos e os “likes” ainda menos. As pessoas, justamente, não querem ser incomodadas, não se querem expor. O problema não está na atitude, está quando nós interiorizamos essa reacção, quando incorporamos o medo, quando somos porosos ao receio, quando passamos a temer. Quando passamos a considerar tudo isso normal e a conviver naturalmente com o obtuso. Já foi assim antigamente.
A questão é que muitos dos que hoje militam no Chega não eram nascidos no antes de Abril e querem recuperar um tempo onde nunca viveram, um tempo negro em que choravam e riam sempre os mesmos, em que só estudavam os ricos, em que uma sardinha dava para três, quando a mãe não comia, e ia para a cama com dores de estômago.
Sei que Abril não se cumpriu, que criou falsas expectativas, que há políticos que nunca o deviam ter sido, que muitos enriqueceram à custa do voto, que a política deu emprego a muitos videirinhos, que em certos domínios devia haver mais músculo, que em muitas decisões falta critério, que, que, que. Mas isso não justifica que, a pouco e pouco, se esteja a instalar o medo e se sinta a voltar o discurso do ódio, da intolerância, do racismo, da brutalidade, da intolerância.
Isto não pode passar. Sei que muitos simpatizantes do partido, não se revêem neste clima, que não querem vingança, nem sangue. Esses, apenas acreditam e seguem o chefe, com o mesmo empenho com que muitos crentes seguem a Bíblia. Mas isso não os inocenta da barbárie que vai germinando, aqui e ali, a sede de mandar, o “chegou a nossa vez”, como se o poder fosse uma gamela onde os imundos se servissem, sem pudor nem medida.
Não estarei cá nesse dia da marcha dos esqueletos e das sombras dos mortos. E, se estiver, não farei parte dos úteis, mas penso nos nossos filhos, nos nossos netos. E temo por eles.
Hitler serviu-se do regime democrático para subir ao poder. Mas antes tinha avisado o que iria fazer. E mesmo assim ganhou. A História também se faz de réplicas. Deus nos livre de tamanho destrato e ruim destino. Vale a pena pensar nisto.