Nomaland made in Portugal

A subcultura crescente de nómadas americanos, pessoas que vivem o tempo inteiro na estrada, é resultado da divergência entre os salários e os preços da habitação.

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  • 10:45 | Sábado, 07 de Junho de 2025
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Se tiver oportunidade de visitar Bilbao, nos próximos meses, não perca a PROTOTIPOAK, Bienal Internacional de Novas Formas Artísticas, no moderno Centro de Arte Contemporânea Azkuna Zentroa.

Por conveniência do tema que pretendo abordar, neste texto, destaco a exposição “My House is your House” da artista japonesa, radicada em Berlim, Chiharu Shiota.

Até 28 de setembro, a artista convida o público a experimentar diferentes ambientes de casa que conectam cada visitante com as suas memórias, a partir de elementos da vida quotidiana. A casa é o lugar da família, o porto de abrigo, uma necessidade básica do ser humano.


Uma das reportagens que mais me chocou, consequência da crise do subprime, foi o abandono de bairros inteiros nos Estados Unidos, transformados em autênticas cidades fantasma. As pessoas abandonavam as casas que deixavam de poder pagar, depositavam as chaves nas caixas de correio das imobiliárias e passavam a viver em autocaravanas, acampamentos.

A comunidade de “nómadas” dos EUA é composta por, pelo menos, um milhão de pessoas que vivem em casas sobre quatro rodas em tempo integral, segundo dados da Associação da Indústria de Veículos Recreativos (conhecidos como RV na sigla em inglês e de todos os tipos de formas e tamanhos). Uma realidade retratada no filme Nomadland que tem como protagonista a atriz americana Frances McDormand que lhe valeu o terceiro óscar da carreira.

O filme é uma adaptação de Nomadland: Sobreviver na América no Século XXI (Cultura, 2021), livro da jornalista americana Jessica Bruder sobre o fenómeno das pessoas mais velhas que, no contexto da Grande Recessão de 2008, adotaram um estilo de vida nómada em busca de empregos sazonais em todo o país. A autora oferece uma viagem reveladora do futuro cada vez mais desigual, instável e inseguro.

Como nos é dado a conhecer por Bruder, há uma nova classe de trabalhadores nómadas, pessoas idosas que viajam nas suas autocaravanas de um armazém da Amazon (faz contratos com parques de autocaravanas) para outro, à medida que os empregos, de curto prazo, ficam disponíveis. Os trabalhadores mais velhos são forçados a ganhar a vida como trabalhadores migrantes. “O último lugar gratuito na América é um lugar de estacionamento.” que serve de porto de abrigo aos “sem-casa” que recusam o rótulo de “sem-abrigo”.

A subcultura crescente de nómadas americanos, pessoas que vivem o tempo inteiro na estrada, é resultado da divergência entre os salários e os preços da habitação. Recordo a apreensão de um amigo que conheceu um artista, um pintor sexagenário, que, após anos de trabalho, vive num parque de campismo, em Portugal, porque deixou de conseguir fazer face às despesas com a habitação. Foi um primeiro beliscão à ideia romântica de fazer campismo e ao luxo de ser proprietário de uma autocaravana, símbolo de um certo estilo de vida ao alcance de poucos, e fazer férias por essa Europa fora.

Em Portugal, é conhecida a realidade de muitas famílias, maioritariamente da comunidade cigana, que vivem em acampamentos. Nas imediações das grandes cidades, os imigrantes têm engrossado o contingente de barracas e tendas. Também no nosso país há cada vez mais pessoas a viver em carros, garagens, lojas comerciais, parques de campismo e nas ruas.

O Jornal de Notícias (3/6/2025) retirou da invisibilidade um problema que se agrava diariamente: “Falta de habitação acessível empurra portugueses para parques de campismo”. As pessoas que não conseguem encontrar casa digna, a preços comportáveis para os seus orçamentos familiares, procuram alternativas nos parques de campismo para terem um teto, mesmo que seja a lona de uma tenda.

É desta forma que se vão destruindo os conceitos de família e comunidade, sucumbindo, um atrás do outro, os sonhos de uma vida digna.  

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Publicado em Opinião