Não se faz

A corte lisboeta não admite intromissões dos homens da província, essa é a verdade. Julgam-nos úteis apenas para pegarem nos alfinetes. Tratam-nos sempre com uma condescendência paternalista, uma aturada paciência, às vezes, com desdém. Reage invariavelmente mal. Não suporta quem lhes faz frente e ameaça o seu poderzinho.

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  • 14:52 | Segunda-feira, 23 de Junho de 2025
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O que o PS está a fazer a António José Seguro não se faz. Foi secretário-geral e tem uma folha limpa, detalhe não tão despiciendo assim para gente de bem. Sempre o achei lavado e enxuto. Apesar de apeado pelos “poucochinhos”, soube retirar-se do palco político, e não houve notícias de intrigas contra os novos dirigentes, saídos de umas eleições internas fratricidas, absolutamente desnecessárias, que só serviram as ambições de Costa e dos seus “muchachos”, pouco lhes importando as feridas que deixaram na unidade do partido.

Não se lhe conhecem escândalos, e já houve tempo suficiente para os soldados e os aprendizes de Rasputin lhe rastrearem o passado. Não os há.

Discretamente, retirou-se, dedicando-se à vida académica e empresarial, longe das sombras e dos espelhos que povoam o subterrâneo do grémio socialista.


Ostenta um passado e um presente decentes, o que causa engulhos aos que encontram no partido uma via verde para “emprego” estável, notoriedade fácil e bem-estar pessoal e familiar, tudo o que com a sua vidinha monótona e insípida jamais conseguiriam. Os que fazem do partido um elevador social, e vivem à sombra do que o Estado tentacular lhes pode proporcionar.

O mestre-de-cerimónias europeu, mal habituado a contrariedades, um burguês de “esquerda”, mimado e atrevido, a viver agora numa torre de marfim, deslumbrado com os mediáticos parceiros – a oferenda da camisola de Ronaldo a Trump é de uma parolice e de uma indigência cultural aterradoras – nunca perdoou a integridade e o carácter do adversário, que tomou por acinte e ousadia.

Os seus sentinelas – o empregador ilhéu, o truculento nortenho, a Branca de Neve e a bruxa má -, de más relações com a probidez política, colocaram-se embainhados, à porta de armas, prontos a fuzilarem o desapego e o exemplo. E, mal souberam da intenção de AJS se candidatar à Presidência da República, fustigaram-no com setas e punhais. Logo os que nunca se candidataram a um posto de trabalho, nem sabem verdadeiramente o que isso é, lambuzados no mel e na doçaria que a República benigna e benévola lhes proporciona, inventaram o malicioso argumento da falta de currículo. Uma ordinarice labrega e poeirenta.

A corte lisboeta não admite intromissões dos homens da província, essa é a verdade. Julgam-nos úteis apenas para pegarem nos alfinetes. Tratam-nos sempre com uma condescendência paternalista, uma aturada paciência, às vezes, com desdém. Reage invariavelmente mal. Não suporta quem lhes faz frente e ameaça o seu poderzinho.

Os ditos cultos, eruditos e cosmopolitas mexem-se nas cadeiras, incomodados com os que se movimentam menos bem nos salões do palacete do Rato. Do que estão à espera para apoiarem o que é evidente? Ah, que não esperou pelo partido, como era seu dever. Esquecem-se estes desmemoriados do que fez Jorge Sampaio, em 1995? Perante o atraso de vida em que planava o partido, antecipou-se.

É esta gente, cega com o passado e surda aos apelos e conselhos de Manuel Alegre, que construiu um partido anavalhado, que, em vez da ideologia brande o canivete de ponta e mola e espreita às esquinas de faca na liga, que, em vez da unidade, prefere viver acantonado e só.

Melhor sorte não terá José Luís Carneiro, que, se não se esqueceu das origens, é segurista, e só será secretário-geral, porque os calculistas de Lisboa, habituados a que tudo lhes caia no colo, com facilidades, não querem fazer o caminho das pedras, preferindo aguardar pela hora certa, montados nas suas bestas, em tropel enfurecido.

O novo líder traz com ele o pecado mortal, o selo que o vai perseguir, o estigma que o vai matar: é do Norte.

O PS transformou-se num partido de ajustes de contas, de ressentimentos, de vinganças, de ódios pessoais. E é pena.

Este já não é o partido de Mário Soares, António Macedo, Almeida Santos, Salgado Zenha. António Costa, o grande causador de todos os males internos, feudalizando-o, deu cabo dele.

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Publicado em Opinião