Em 1500, o navegador português Gaspar Corte Real, ao serviço da Coroa de D. Manuel I, atingiu a costa da Gronelândia, após explorar a região da Terra Nova.
Este feito, praticamente ausente dos manuais escolares e do discurso político nacional, inscreve-se no contexto das navegações portuguesas do século XVI, que não se limitaram às rotas africanas, indianas e brasileiras, mas também alcançaram o Atlântico Norte e as zonas hoje pertencentes ao Canadá e ao território autónomo da Gronelândia, sob soberania dinamarquesa.
Este facto tem implicações que ultrapassam o plano simbólico. Se os países europeus reivindicam legitimidade cultural e histórica sobre territórios longínquos com base em episódios de presença passada — como a França em África, a Espanha nas Caraíbas ou o Reino Unido em partes da Ásia —, Portugal não pode abdicar de reconhecer e afirmar a sua própria presença no Atlântico Norte, realizada com séculos de antecedência sobre outras potências coloniais.
A Gronelândia, que nos últimos anos foi objeto de atenção internacional devido à proposta de aquisição por parte dos Estados Unidos durante a administração Trump, encontra-se hoje no centro de disputas estratégicas e económicas, nomeadamente pela sua posição geográfica e pelos recursos naturais por explorar. Neste contexto, importa lembrar que a presença portuguesa naquelas paragens é anterior à de qualquer outro Estado europeu moderno. Esta realidade não pode ser esquecida no plano da memória histórica, nem ignorada quando se discute o papel de Portugal no mundo.
A tradição diplomática portuguesa, construída sobre séculos de presença atlântica e diálogo intercivilizacional, deve ser acompanhada de uma política de afirmação histórica. Não se trata de alimentar revisionismos anacrónicos, mas de recordar que Portugal esteve presente, foi pioneiro e moldou a geografia do mundo com conhecimento, sacrifício e visão.
A Gronelândia faz parte desse mapa alargado da nossa memória, e Gaspar Corte Real merece o reconhecimento devido por ter levado a bandeira portuguesa às extremas latitudes do planeta.
Em vez de esquecermos a nossa História, devemos estudá-la, documentá-la e valorizá-la, não como um instrumento de orgulho vazio, mas como expressão da nossa identidade e responsabilidade histórica.
A Gronelândia, redescoberta hoje pelas grandes potências por razões estratégicas, foi descoberta por um português — e isso deve ser conhecido e afirmado com a dignidade que o facto merece.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, historiador e autor