A guerra das águas de Viseu

Esta controvérsia acerca das águas faz-me lembrar a história do emigrante galego vindo do remoto pueblo de Betanzos para Lisboa no final do século XIX e que abraçou a profissão de aguadeiro. Esforçado e laborioso governou a sua vidinha e ao fim de poucos anos mandou vir mulher e filhos para ao pé dele em carta onde a certa altura escrevia: “Os lisboetas são muito boas pessoas, até me compram a água que é deles…”

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  • 13:50 | Sábado, 21 de Junho de 2025
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Na “guerra dos comunicados” sobre a água, veio agora a comissão política concelhia do PSD defender a sua ama, a Câmara Municipal de Viseu, e a medida polémica e de insondáveis consequências da entrega das Águas de Viseu às Águas do Douro e Paiva (AdDP), onde exerce funções de presidente o antigo presidente da câmara de Resende, o antigo deputado do PS, o antigo presidente da Federação do PS Viseu, António Borges.

Esta controvérsia acerca das águas faz-me lembrar a história do emigrante galego vindo do remoto pueblo de Betanzos para Lisboa no final do século XIX e que abraçou a profissão de aguadeiro. Esforçado e laborioso governou a sua vidinha e ao fim de poucos anos mandou vir mulher e filhos para ao pé dele em carta onde a certa altura escrevia: “Os lisboetas são muito boas pessoas, até me compram a água que é deles…”

Aqui está, resumido, o negócio prospérrimo das águas que as diversas empresas privadas a actuar por todo o país se esfarrapam para deter.


De todo, não conseguimos acreditar que não o façam a troco de avultadíssimos lucros, a vender a água que é dos munícipes aos munícipes, por impenetrável decisão camarária, que abdica da gestão da coisa pública a troco vá-se lá a saber do quê e de quanto.

No comunicado da concelhia do PSD, assinado pelo vice-presidente da autarquia, na vã tentativa de explicar esta situação começa por gabar muito o passo dado por Viseu, que é “firme e decisivo” e dado com “estabilidade, qualidade e visão estratégica” garantindo um “sistema mais resiliente, preparado para enfrentar os desafios climáticos e demográficos” (?).

Logo com esta catrefada de adjectivos a qualificar o “passo”, passa um atestado de incompetência aos SMAS, no afã de justificar o acto. Daqui se infere que os serviços até aqui usados eram pouco resilientes e não estavam preparados para enfrentar os desafios climáticos – porquê? E demográficos – quais, com a população a decrescer?

De seguida, Gouveia ataca a oposição que acusa de “transformar factos em ficção e responsabilidade em escândalo político”. Os viseenses, nos quais me incluo, não percebem, para já que “ficções” são estas, mas poderão vir em breve a sentir nas suas carteiras, com os novos custos da água os alegados “factos“. Aqui, até podíamos pedir a opinião ao MUAP, Movimento de Utentes das Águas do Planalto, em Tondela, há muito em luta contra os aumentos da vital linfa no concelho…

Também a invocada “responsabilidade” aparece aqui envolta em opaco manto e os viseenses mereciam – já – ter acesso integral ao contrato assinado entre a CMV e as AdDP, por quantas décadas firmado, quais as contrapartidas recebidas, qual a quantia a receber, etc. Isto sim, são factos.

Mais refere a certo passo: “O que está verdadeiramente em causa é uma decisão responsável e estratégica que permitirá a Viseu garantir o abastecimento de água em quantidade e qualidade adequadas, de forma estável e segura, com benefícios claros para toda a população.” Deste parágrafo será lícito conjecturar que a água consumida até hoje não tinha a “qualidade adequada” e que passará a ter com a missionária gestão da nova empresa portuense?

Das AdDP, para enfatizar a decisão, afirma ser uma “entidade pública com vasta experiência técnica e solidez financeira”. Os SMAS não teriam experiência técnica para o efeito? Nem solidez financeira? Solidez financeira que decerto as AdDP reforçarão significativamente com a assinatura deste novo contrato.

Mais se lê “Esta adesão reforça a resiliência do sistema e assegura, finalmente, um quadro de atuação integrado com os municípios vizinhos.” Aqui não temos a certeza desta actuação conjunta dos municípios vizinhos que se viram postos de lado nesta decisão e que se têm insurgido contra a forma unilateral desta resolução, ao que julgamos com a exepção das autarquias do PSD, claro…

Deixamos na íntegra o aludido comunicado do PSD e ficamos à espera de conhecer integralmente o contrato da entrega das águas às AdDP:

 

VISEU RESOLVE O PROBLEMA DA ÁGUA E GARANTE CONSTRUÇÃO DE NOVA BARRAGEM

Viseu dá um passo firme e decisivo para garantir o futuro do abastecimento de água no Concelho, com estabilidade, qualidade e visão estratégica. Com a adesão dos SMAS ao Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água do Sul do Grande Porto, gerido pela Águas do Douro e Paiva (AdDP), o Concelho assegura um sistema mais resiliente, preparado para enfrentar os desafios climáticos e demográficos, e, ao mesmo tempo, garante a construção da nova Barragem de Fagilde — uma obra há muito aguardada.

É, por isso, com perplexidade – mas sem surpresa — que a Comissão Política de Secção do PSD Viseu reage a mais uma tentativa do Partido Socialista de transformar factos em ficção e responsabilidade em escândalo político, vindo por isso desmentir categoricamente as insinuações lançadas e repor a verdade junto dos Viseenses.

O comunicado recentemente emitido pelo PS sobre a adesão dos SMAS de Viseu à AdDP é um exercício de imaginação política que revela mais vontade de fazer uma má campanha do que de defender os interesses dos Viseenses. Quando faltam argumentos, surgem os disparates — e neste caso, surgiram todos de uma vez.

A verdade deve ser dita com responsabilidade: este passo de adesão não representa, em momento algum, a perda da gestão da água por parte do Município, nem coloca em causa o futuro dos trabalhadores dos SMAS, muito menos compromete a construção da nova Barragem de Fagilde — antes pelo contrário.

O que está verdadeiramente em causa é uma decisão responsável e estratégica que permitirá a Viseu garantir o abastecimento de água em quantidade e qualidade adequadas, de forma estável e segura, com benefícios claros para toda a população. Esta adesão reforça a resiliência do sistema e assegura, finalmente, um quadro de atuação integrado com os municípios vizinhos. A gestão da água em alta passará a ser feita pela AdDP — entidade pública com vasta experiência técnica e solidez financeira — mantendo-se a gestão da água em baixa nos SMAS de Viseu, como sempre aconteceu. Vir o Partido Socialista falar em perda de controlo ou privatização é, por isso, completamente falso e serve apenas propósitos políticos de curto alcance.

Acresce ainda que a nova Barragem de Fagilde é hoje uma realidade em marcha. Em dezembro de 2024, foi publicamente apresentado o estudo de projeto desta infraestrutura estratégica, numa sessão promovida pela Câmara Municipal de Viseu e que contou com a presença da Ministra do Ambiente e Energia, do Presidente da APA, da CCDR Centro e da própria Águas do Douro e Paiva. O projeto prevê a duplicação da capacidade de armazenamento face à atual barragem, com um investimento global estimado em 32 milhões de euros, dos quais 15 milhões já têm assegurado cofinanciamento através do Programa Regional CENTRO 2030. Este é um compromisso deste Governo da AD, assumido perante o Concelho e toda a Região.

Também não é verdade que esta adesão implique um aumento de tarifas para os consumidores. Essa é uma falsa questão, usada de forma populista. Os tarifários continuarão a ser regulados pela ERSAR e aplicados com total transparência e justiça. 

Por fim, é novamente falsa a ideia de que os trabalhadores dos SMAS estejam em risco. Os serviços municipalizados manterão a sua autonomia na operação da água em baixa e continuarão a desempenhar um papel central na vida do Concelho. A autarquia está empenhada em defender os seus profissionais e garantir a valorização de todos os que servem diariamente os Viseenses.

Este é o momento de olhar para o futuro com responsabilidade. Não se trata de vender um bem público, mas de o proteger. Não se trata de abdicar da água, mas de assegurar que ela nunca falta. Viseu precisa de soluções estruturais e corajosas — e o PSD está, como sempre, do lado da solução.

 

João Paulo Gouveia

Presidente da Comissão Política de Secção

PSD Viseu

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