1 – Newaves: Contexto
Apanhei boleia do “Newaves”, parceria entre instituições de ensino superior e 30 rádios de Portugal, Croácia, Macedónia do Norte e Eslováquia, liderada pelo Politécnico da Guarda, para criar uma plataforma digital de rádios locais e combater a desinformação. Há ensino académico, troca de experiências e busca de soluções.
Terá agora uma segunda fase, destinada aos jornais locais.
Com a generosidade da Rádio Altitude e do Politécnico da Guarda, atravessei três países que me mostraram um vislumbre dos caminhos europeus, houve um outro que aqui não importa.
O panorama não é animador, a estratégia é das grandes rádios que compram as locais, tradicionais no jargão europeu e que faz todo o sentido, para ficar com o alvará e montarem um retransmissor. Vão-se rádios históricas, e, sobretudo no interior, alarga-se o fosso dos concelhos sem um meio de informação. Já ouviram a Rádio São Miguel?
A insistência de Portugal, Croácia, Macedónia e Eslováquia em promover competências digitais e combater a desinformação no jornalismo radiofónico faz sentido.
O projeto permite a comunicadores, jornalistas, alunos e instituições de ensino superior partilharem conhecimento, fazer formação e aumentar a competitividade nos média, principalmente em zonas europeias de baixa densidade populacional e de recursos limitados.
O problema é a forma como alguns de nós transmitem ideias. A estadia foi na Croácia, na The Academy of Arts and Culture, em Osijek, instituição com ensino técnico e científico. Gostei do que aprendi: competências digitais; ética, deontologia e leis; empreendedorismo, marketing e comunicação.
Não gostei do que vi. A Croácia é uma nação bonita, onde ainda há marcas de balas nos prédios de muitas cidades e onde o fascismo medra.
Um pequeno exemplo. A Áustria invadiu a Croácia e assim justificam o nome do General Von Becker, com estátua e direito a explicações, que a visita é turística e académica e os olhos e ouvidos são de repórter.
Ora é preciso cavar mais fundo para conhecer militar que teve direito a biografia na televisão pública no novo país dos Balcãs.
Pouco depois da libertação de Osijek, em 1691, o engenheiro Mathias von Kaiserfeld desenhou o plano de construção da fortaleza. Porém, foi Von Beckers quem comandou a fortaleza e concluiu os bastiões.
A cidade de Osijek fez parte do Império dos Habsburgos e tinha grande importância estratégica na fronteira com o Império Otomano E Von Beckers sucedeu a Kaiserfeld. Portanto quando questionamos quem foi o senhor, durante uma visita paga com o dinheiro europeu, percebemos que o Império Austro-húngaro seja referido como um país, a Áustria.
2- Newaves: Eles voltam
Certo, o povo conseguiu a expulsão dos otomanos de Osijek em 1687. Ainda assim, a partir de 1712, engenheiros austríacos construíram quartéis, sedes administrativas, igrejas e mosteiros.
O que explica que se ouça, na Europa liberal, “Hitler paint this wall”. Foi neste momento que percebi, com a clareza dos olhos tristes. E escutei, em diálogo irado com um professor croata, essa mesura.
E as saudades que este, e outros, países têm da autocracia. O Estado fornecia comida, aquecimento, emprego.
O repórter inquieto que há em mim, cheio de empáfia também, percebe, hoje, que a sincronia com a Europa, a maior realização de sempre, perde-se. A começar na Ucrânia e em quem defende Putin. A vítima é o agressor? A União Europeia e o mundo democrático têm de resistir. Não ouço aplausos dos croatas.
Precisamos de um sobressalto de solidariedade, política e militar, na Europa. Foi para isso que se fez a Comunidade do Aço, e que resistimos às dividas soberanas, ao Covid e a tudo o resto. Juntos.
Em 1991, ainda havia restos do muro, atravessei a Europa e vi a euforia. Hoje a Europa é só quando o caixa diz pague-se. Quando toca a valores, democracias liberais, sai-nos isto.
Mordaça? Revisionismo? O Juiz Almiro Rodrigues, que esteve no Tribunal Internacional para a Jugoslávia, com competência para julgar pessoas suspeitas de serem responsáveis por violações graves ao direito internacional humanitário cometidas no território da ex-Jugoslávia desde 1991, nunca desistiu. Entrevistei-o quando foi capturado o último foragido, Ratko Mladic.
Eu, nascido ainda em ditadura e que acompanho campanhas eleitorais desde 1976, espanto-me com a condescendência. Vi meus pais a lutarem pela democracia.
Temos hoje uma central política de pirataria instalada no coração de Europa, estes países destilam fel. E bots.
A União Europeia teima em não aprender. Em tergiversar. Não quero visitas com conversas, disfarçadas, para incutir doutrina.
3 – Newaves: Os factos
Em conversa, digital, com amigo juiz, pergunta-me o que são os factos. E como lhe sei o pensamento, e lhe agradeço a defesa intransigente da profissão de jornalista, que algumas clamaram de mordaça quando não se é político e jornalista ao mesmo tempo.
O que são os factos, pergunta meu amigo. E, acrescento-lhe, porque meu amigo tem cervical, pensamento, vê largo: “Bem sei que o jornalismo é utilizado para defender interesses particulares, mas ainda há quem não se vergue”. Factos como explanaram a Jodi Kantor e Megan Twohey: “nomes, datas, prova e padrões”. Mais pensamento e menos sentimento. Escrita, corroborar, contraditório. É isso que temos de reaprender. O Newaves tem de ser, e foi-o nesta jornada, um meio regresso aos valores que nos fizeram amar esta profissão.
O projeto da União Europeia, paz, livre circulação da economia e das pessoas não entende que somos 27 nações e 450 milhões de cidadãos.
Se andarmos pela Hungria, onde atravessar fronteiras terrestres e aéreas é como voltar a 1991 para atravessar para a Áustria – e eu vivi-o com soldados armados dentro do autocarro, entendemos as simpatias. Contudo, ninguém pode ser dois. Querer o dinheiro, não as obrigações.
A Hungria não quis, e não pode, o Euro. Mantêm o velho florim, que eu ali gastei em várias visitas. Recebem em florins, inchados com a moeda nacional da Hungria. Mas aceitam euros. O troco? Bom o troco é em florins.
A Hungria é um dos muitos Estados-Membros da União Europeia que aplicam todo o acervo de Schengen, e com direito de voto no Conselho. Preocupado com o atravessar da fronteira terrestre, estendi longa conversa com jornalista de rádio e mais de duas décadas de amizade. Cansado, alienou a participação. Os interesses instalados, que não a audiência, já não gostam de notícias integras.
Tenho 54 anos, vi como este Portugal lutou para ter liberdade e, apesar dos muitos desmandos, o que a Europa fez, e continua a fazer, por nós.
Há algo de muito reles nesta Europa da nações. Quando somos controlados numa fronteira terrestre como criminosos, ou numa fronteira aérea como terroristas, isto não está bem. O controlo é na fronteira externa, não na interna – aqui tem de ser aleatório e já é assunto nosso. Quando um canivete multifunções ameaça mais que a atualização do telemóvel que passa a ir direto às nossas viagens e bilhetes, ou quando, sem nos avisarem, nos recolhem dados biométricos, estamos muito mal. Pior ainda quando fazemos gáudio em servir vinho sul-africano num avião europeu em voo doméstico, ou quando trocamos o Airbus pelo Boeing, não percebemos o que é a Europa, nem as convulsões que andam pelo mundo.
E também me senti assim, em Amsterdão, seguranças privados feitos militares da nossa livre circulação. De pessoas, bens e capitais.
4 – Newaves: O lento caminho para o declínio
Quando um tipo tem de vender o negócio de uma vida, que agregou, melhorou e desenvolveu porque a rádio e o jornal, que cumprem os critérios e a deontologia, incomodam os autarcas que preferem os novos media, o tipo do reel, do direto ou do live, que montam tripé e desatam a agradar em nome de muitos milhares de euros, tudo está mal.
Claudicamos. E quando claudicamos, as botas fascistas que marcham do Leste europeu, espalham-se. Contaminam. Roménia, o nosso Portugal, a França. Nada contra a ideologia de cada um, mas o todo tem de ser mais que a soma das partes.
Olho a Itália, com governo de extremos, que nunca abandonou a Europa, e está cá em Portugal, literalmente, de armas e bagagens.
São 1.700 militares de cinco países da União Europeia envolvidos no exercício Orion25, para certificação de uma força multinacional de reação rápida comandada pelo Exército português. É um Battelgroup, no jargão militar, europeu. Como que fizemos na costa leste de África, para garantir segurança ao comércio marítimo.
Hoje, Portugal, França, Itália, Roménia e Espanha reúnem 2.200 militares que integram uma força de reação rápida, de compromisso europeu. Estamos a cuidar da nossa defesa e a esboçar um primeiro catalisador de um eventual, e muito necessário, exército europeu.
E em Julho, em primeira fase de prontidão, a força terá comando português, sem deixar de ser aprontada no âmbito da União Europeia.
O sol matinal de Amsterdão largou-me e mais uma lata. E nisto, passaram quase duzentas horas a ver Europa. Pés em Pedras Rubras, desculpem jornalismo também é ter memória, com chuva.
Resolvida a mala que resolveu vir mais cedo. Meio litro de cerveja. De repente pumba catrapumba. No chão. Ido ao balcão. Café para a Manuela já a empregada me sorria a tirar outra. O farrusco do dia trazia a simpatia, cortesia de pessoas que percebem bem o que fomos e o que, hoje somos.
Ficar preso nas conexões, no tempo do algoritmo, é uma perdição. Incompetência. Nada mais. Não paguei a segunda, apenas o café.
Resolvido o parking que a cada São Mateus nos trazia dinheiro para a boovaiela, – não era Texas?, carrego no pepino e no salmão fumado. Estou em casa e duas latas para o caminho. Há mais um bus e chegarei a casa. Antes, amigo de longa data e detalhado telefonema. A forma como reconhecemos o mérito, qual mérito? Indignado, le,brou-me dos que “nunca deram um peido e são considerados bons profissionais”. E recordou “13 processos de abuso de liberdade de imprensa”, nem quero pensar nos meus, porém no jornalismo processo não é cadastro é medalha.
E a odisseia de um jornal, que organizou aqui, neste distrito, “um curso de jornalismo, ministrado pelo Cenjor, o Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas”.
5- Newaves: Epílogo
Não resisti e espreitei a página. Que alertava para a necessidade de “refletir sobre a importância da união entre os países do nosso continente“. A Declaração Schuman, proferida em 1950, marcou o início de uma nova era, estabelecendo as bases para a cooperação entre nações que outrora foram rivais.
Ao propor a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, Schuman visava promover a paz e a prosperidade através da solidariedade. Este 75º aniversário é uma oportunidade para relembrar que a verdadeira força da Europa reside na sua diversidade e na capacidade de trabalhar em conjunto.
Celebrar o Dia da Europa é celebrar as ligações que unem, as pontes que se constroem e os laços que fortalecem. É relembrar que a construção da Europa se faz todos os dias através de ações concretas que promovem a inclusão e a diversidade”.
E retomo o telefonema. “Fi-lo a expensas minhas, muitas vezes sem poder, às custas do ordenado da mulher, aquilo era paixão, tirava anúncios para meter notícias”.
E, notem, o Cenjor é do melhor que temos em qualidade de ensino, pensamento e inquietações para bem fazer.
Deixo a metáfora, a que não resisto, antes regresso a Amesterdão. Militares privados a tratar os europeus como terroristas, e nisto, já em Pedras Rubras, o vento levou-me nota de cinco euros. Resgatei-a. E tu, Europa, resgatas me?