Depois de ter sido divulgado o relatório da IGAS, dando conta da responsabilidade do INEM na morte de um homem de 53 anos, o ano passado, vítima de enfarte do miocárdio, em período de greve conjunta dos técnicoe0mergência pré-hospitalar daquele serviço e da administração pública – quando se registaram 12 mortes, com activação do 112 -, a ministra da saúde ficou fortemente fragilizada, em desequilíbrio irreversível.
Obviamente que não há, nem foi imputado, qualquer nexo de causalidade entre a paralisação dos serviços e o falecimento, mas decorre das circunstâncias uma inacção – uma suavização do termo apropriado: incompetência – política, incapaz de prever medidas de mitigação dos efeitos facilmente antecipáveis.
Entra pelos olhos da cara que a cidadã não tem perfil para o cargo: é atabalhoada e insegura. Por mais que tente, não é confiável. Os serviços por si tutelados foram responsáveis por uma morte. E essa circunstância, da sua responsabilidade política, não sendo admissível no século XXI, tem de conduzir ao seu afastamento.
Num país civilizado, é imperativo que haja consequências sérias para omissões graves. Um ministério não é uma quinta de inimputáveis, um lugar de asneiras sucessivas, sem consequências, de erros de palmatória, sem castigos. Não retirar do caso as consequências políticas que prometeu retirar, priva-a da qualidade exigível a um político: a confiabilidade.
Após chamar a si a tutela do INEM, tirando-a da secretária de estado, pode tudo ficar assim, num limbo inconsequente, rindo ela dos acusos que pendem sobre si? A continuidade no governo – que, à luz da prudência, ninguém compreendeu, virtude que o PM, reforçado na votação, parece querer ignorar – é uma bomba-relógio, que ameaça detonar a qualquer momento.
De qualquer forma, com esta notícia, Ana Paula Martins passou à condição de activo tóxico, ministra descartável, que afasta e não junta. Disse a senhora, em tempos idos, não imaginando ainda o que a esperava, que saberia retirar consequências políticas do que as instâncias de apuramento de responsabilidades viessem a concluir. Até à data, e já lá vão uns dias, não tirou. Esquece que, deste modo, e perante a desgraça conhecida, perdeu toda a autoridade política. Pode conservar a autoridade formal, aquela que deriva de um rabisco leviano do PM, mas escasseia-lhe o que verdadeiramente importa: exemplo e dignidade para seguir em frente. Na sua insistência, ninguém a respeita. Para além do desjeito, que sempre exibiu, é surda aos barulhos que a condenam e aos silêncios que a toleram.
A ministra é o rosto do Estado sinistro que falhou nas suas funções mais básicas. Num país político, onde a decência fosse regra de vida, a senhora já tinha regressado às origens, higienizando a governança. Aos esquecidos, vale lembrar a vozearia de garnizés, que, em 2022, veio das bancadas do PSD, de revólver na boca e pólvora nas palavras, aquando da morte de uma grávida, durante a transferência de hospitais na cidade de Lisboa, por falta de vagas no Santa Maria, no consulado de Marta Temido, que se veio a demitir, entretanto.
Os políticos não podem ser uns fantoches irritantes, que na oposição vergastam, chicoteiam, humilham, dizem uma coisa, e no governo fazem exactamente o contrário, passando uma esponja sobre o passado.
Deixemo-nos de políticos de plástico, gente de vida e promessas fáceis. Ana Paula Martins, se tiver honra política, só tem um caminho: sair do governo e regressar à sua vida profissional.
Os governos não podem ser um coito de incompetentes e um alojamento local para gente inábil e improfícua. Os ministérios não podem ser lugares onde os políticos asneiram e nada lhes acontece. A ministra continuar no cargo é o exercício mais cínico de uma forma negra de fazer política: preservar o poder e os lugares, em detrimento da salvaguarda do bem-estar dos cidadãos.
Inconsciente, pode até continuar agarrada ao mando, na certeza de que tudo o que tocar, no futuro, vai ser motivo de escrutínio severo, na certeza de que vai ser cozida em lume brando, vivendo em morte lenta. Indecisa e receosa.
Manter esta ministra é irresponsabilidade, leviandade, fanatismo. Loucura. Insanidade. Porque, por mais que os acólitos das missas e os ordinários da diocese social-democrata nos queiram convencer do contrário, a sua notória inabilidade e impreparação políticas não são uma bagatela. Por mais que os sacristães surdos e os leitores das homilias nos queiram convencer de que nada de grave se passou e que o rei vai vestido com luzidias e diamantinas vestes.
(Foto DR)