Gratuitidade das creches: medida positiva, mas muito restritiva

Um desafio que não será ultrapassado com uma só medida “milagrosa”. Contudo, se conjugada com menos precariedade, melhores salários e apoio à habitação, a gratuitidade das creches pode ser um estímulo importante para as famílias que querem ter filhos, especialmente as de baixos rendimentos.

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  • 19:59 | Domingo, 22 de Maio de 2022
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Aplaudi e mantenho o aplauso à medida que prevê a gratuitidade das creches. Portugal tem desafios demográficos prementes: o duplo envelhecimento da população e as baixas taxas de natalidade. As políticas públicas não têm sido capazes de inverter uma tendência de décadas que leva à consequente perda de população. Desde 1982 que deixou de se verificar, em Portugal, a reposição geracional – um número de nascimentos suficiente para cobrir as mortalidades, numa média de 2,1 filhos por mulher.

Têm surgido alguns incentivos à natalidade, como o “cheque-bebé”, cujos valores variam muito. Sejamos francos, alguma família tem um bebé porque lhe será atribuído um cheque de 500,00€, 1.000,00€, 2.000,00€? Melhor do que nada, mas manifestamente insuficiente.

Um desafio que não será ultrapassado com uma só medida “milagrosa”. Contudo, se conjugada com menos precariedade, melhores salários e apoio à habitação, a gratuitidade das creches pode ser um estímulo importante para as famílias que querem ter filhos, especialmente as de baixos rendimentos.


Não posso deixar de fazer a minha declaração de interesses nesta matéria, sou dirigente de uma instituição que tem em funcionamento a resposta social Creche. Vivemos, uma vez mais, tempos de incerteza que não nos permitem projetar com rigor o futuro, nem responder às múltiplas dúvidas que as famílias nos colocam. A certeza da incerteza cornifica-se, ano após ano.

Na proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2022, que viria a ser chumbado e que despoletou novas eleições, foi prometido às famílias portuguesas a “gratuitidade geral das creches”. Realizadas as eleições legislativas em 2022, a proposta de “gratuitidade geral das creches” caiu. Subsistem dúvidas quanto à abrangência da medida, aplicabilidade e progressividade. Do que consigo descortinar, em 2022, a gratuitidade aplicar-se-á apenas às crianças “que ingressem no primeiro ano de creche”, em instituições com acordos de cooperação em vigor e obtenham uma vaga comparticipada pela Segurança Social.

Se assim for, esta medida tornar-se-á bastante restritiva, deixando a maioria das crianças que frequentam creches sem o referido apoio, independentemente da sua situação socioeconómica. Partilho algumas questões para reflexão:

·        Faz sentido a gratuitidade deixar de depender do escalão de rendimentos e aplicar-se apenas às crianças que ingressem no primeiro ano da creche?

·        Faz sentido que a partir da 21.ª criança inscrita, numa instituição com capacidade, por exemplo para 42 crianças, mas com acordo de cooperação apenas para 20, estas não sejam abrangida pela medida?

·        Não será mais lógico e mais justo a gratuitidade ser aplicada a todas as crianças que frequentem a resposta social creche (até aos 3 anos), cujas famílias apresentem parcos recursos financeiros?

·        Não será mais lógico que a progressividade da medida, até que seja implementada a prometida “gratuitidade geral das creches”, tenha por base o escalão de rendimentos familiares e não o ano em que se encontra inscrita a criança?

Não há soluções perfeitas. Neste caso concreto, não me parece difícil aperfeiçoar a medida para que possa contribuir para uma sociedade mais justa, promotora da igualdade social e amiga da natalidade.

 

 

 

 

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Publicado em Opinião