Epístola aos Exmos. Srs. Governantes, de ontem, de hoje e de amanhã

Cuidam, Senhores Governantes, que é preciso serem voluntariosos e mostrarem-se capazes de profícuas labutações impraticáveis. De dizerem o redito com tanta desfaçatez como o negam, praticamente (advérbio afeiçoado à Vossa classe). De preferência em horário nobre e lusíada e perante tantos microfones como máquinas de filmar e fotografar, para botar mais longe o despautério.

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  • 18:15 | Terça-feira, 05 de Outubro de 2021
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Hoje, 132 após a Proclamação da República, que tanto tem sofrido fruto dos maus tratos dos governantes, permiti-me estas breves linhas…

Consiste a tolerância em sofrer o mal, ou o abuso, fazendo que se ignora a sua existência, ou a sua malícia ou a inclinação a fazer dano. A indulgência ou dissimula as culpas ou as perdoa facilmente. Aquela vem da prudência. Esta vem da bondade ou da fraqueza.

Por isto e aquilo, Senhores Governantes, permitam-me que Vos diga que devem ser tolerantes e também indulgentes. E tal direito me outorgarão ao não entenderem o dito como conselho, porque Vossas Excelências não precisam deles e eu não estou qualificado para os dar.


Sabem, Senhores Governantes, só são tolerantes e indulgentes os seres superiores. Eu creio mesmo, e se não tiver assento científico esta minha asserção, far-me-ão a subida fineza de fazer de conta que tem, eu creio mesmo, dizia, que a tolerância e a indulgência eram outrora apanágio dos deuses face aos jogos vis dos baixios humanos.
Quem perdoa fá-lo a alguém que tem culpas. E o que tem culpas é porque cometeu agravos, ofensas, faltas, pecados, delitos ou erros. Dêem-lhes Vossas Excelências a condigna resposta por via da absolvição e da remissão. São superiores os que perdoam. A indulgência é sapiente. Não é tolerante quem quer. Mostrem-lhes esses adjectivos, em tão substantivo mundo, mesmo sabendo que pecaram, delinquiram, transgrediram.

São novos e ígnaros, Senhores Governantes, e querem agradar.
Cuidam, Senhores Governantes, que é preciso serem voluntariosos e mostrarem-se capazes de profícuas labutações impraticáveis. De dizerem o redito com tanta desfaçatez como o negam, praticamente (advérbio afeiçoado à Vossa classe). De preferência em horário nobre e lusíada e perante tantos microfones como máquinas de filmar e fotografar, para botar mais longe o despautério.

Crêem, Senhores Governantes, que é necessário que os outros entendam afã, o que é aparência, soberba, arrogância e rapacidade.

Pensam, Ilustres Governantes, que é preciso que os outros pensem que pensam, quando sois Vós os pensadores, codeando os lambuzes nesta redundante cogitação, a ânsia temperada nas agonias em que se atulham com a sofreguidão de Vos deixarem mal.

A virga, Senhores Governantes, nestes labruscos, não cuida que é cerdoso o tecido!

Malhem-lhes, Senhores Governantes, com desdém, que é o que neles mais cuita!
Nem prudentes, Senhores Governantes, vale ser com quem não cuida em sê-lo primeiramente quando e com quem deve.

Por todo o dito, e por todo o não dito, que Vossas Excelências finos como quaisquer Governantes que sois, não precisais que mais se ajunte à escrita, está na hora de Vossas Excelências, ao espelho, num acto de elevada catarse, peneficarem o suficiente e se auto-retractarem com tolerância.

Sim, Senhores Governantes, é a Vossas Excelências que me refiro, quer como destinatários da epístola, quer como sujeitos e objectos do texto.

Obstem a mais pachonchetas, mesmo que a cerviz se vos engasgalhe de contida sofreguidão. Parem de disparatear e de amolentar o Zé Pato com tantos e tais delíquios. E como Vossas Excelências aparentam ser pessoas de bem, além de sábios, ascetas incompreendidos, honrados caracteres, Calistos Eloys da fase de sangue limpo e etc. têm ainda uma saída… Vossas Excelências, pelas supostas e tão alardeadas purezas das almas e rectidão dos espíritos (as Vossas infinitas bondades absolver-me-ão do panegírico), virarão as costas a Vós mesmos – o que é complicadíssima figura – e demitir-se-ão das próprias e tão trauliteiras companhias, devendo de imediato partir para Covadonga e num eremitério érebo, erguer Vossas consciências lancinantemente doridas e humildes, ao Deus que distraída e injustamente Vos gerou.

Senhores Governantes, tolerai-vos, porque nós estamos fartos de Vos tolerar, e provai que sois prudentes.

Senhores Governantes, indultai-vos, porque a bondade em Vós regurgita e quer implodir para acto purgatório.

Senhores Governantes, hoje não acabo citando Santo Agostinho nem Ortega y Gasset, mas não recuso citar o nosso comummente querido Camilo. “A desgraça não derrete o aço dos peitos fortes!”, por isso, apesar de serdes umas desgraças e de termos que Vos aturar, ainda estamos e estaremos de peito ancho para o embate… E já agora, o nosso querido e dilecto Heitor Pinto: “O que eu queria é que a boceta de vossas angústias estivesse depositada em minhas entranhas, e que meus bens fossem vossos, e os vossos males meus”, para e assim Vos purificar e absolver, generosamente, de tanta e tão crassa asneira em que sois dilectos no cometimento.

Recebei, Senhores Governantes, a minha consideração enleada no tédio de Vos aturar, mais o meu pranto solidário com aqueles que já choram pelo momento de Vos ver partir, mais os outros, que se arrepelam, uns pela ânsia de entrar, outros, pelo voto de confiança que em aziaga hora Vos concederam. Xuuu!!!

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Publicado em Opinião