E depois da demissão de Alexandra Reis?

Mesmo que seja legal todo o processo (o que se duvida tendo em conta o regime legal do Gestor Público, mas que o escritório de Pedro Rebelo de Sousa terá desconsiderado), deverá o país discutir o caso concreto sob o ponto de vista da “moralidade elástica” que a cada um diz respeito? A nossa resposta é positiva! Porque no tempo do hoje não se pode deixar de olhar para trás, perante cada convite, sem que cada um dos escolhidos se questione sobre a probidade de atos praticados, de vidas tidas.

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  • 12:05 | Quinta-feira, 29 de Dezembro de 2022
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1. A TAP é um grupo que concorre no mercado internacional. Os salários dos seus gestores, como os salários dos seus colaboradores, em especial dos pilotos, são determinados pelas marcas europeias de remunerações e prémios.

2. O processo de recuperação da TAP passou por diversas vicissitudes. Desde logo, pelo facto de se adequar cada Administração ao tempo de cada decisão e aos objetivos que o acionista pretende alcançar.

3. Na intervenção estatal, que colocámos em dúvida em 2020 (Público, 4 de julho), estava indiciada uma sucessão de órgãos de decisão e a hipótese de, a cada tempo, se poder adequar o pessoal dirigente aos objetivos de política nacional e europeia e aos planos aprovados por Bruxelas.


4. Alexandra Reis foi administradora da TAP. O seu mandato teria sido interrompido por razões que, aparentemente, se prenderam com o que acima se disse e, porque a lei o determina, implicou um processo de acordo com a empresa para que lhe fosse paga a indemnização a que, em sua opinião, teria direito no valor de 1,47 milhões de euros.

5. Confirmam-se as afirmações do Presidente da República, que estimou o custo em três vezes mais, o que indicia o seu conhecimento circunjacente do processo.

6. Há, porém, uma singularidade em tudo o que se conhecia vindo de dentro da TAP. O comunicado da sua saída não informava que havia sido desmobilizada, mas que se tinha despedido, coisa bem diferente na perspetiva da justeza tal indemnização.

7. Saída da TAP, Alexandra Reis foi nomeada para uma outra entidade com responsabilidades públicas, a NAV. Essa nomeação tinha algum sentido, porque as competências exigidas eram razoavelmente cumpridas pela nomeada.

8. Durante o tempo em que exerceu funções na NAV nenhuma notícia se conheceu, a normalidade do valor recebido não chegaria para irritar os portugueses através de uma qualquer notícia. Mas as novas funções, enquanto Secretária de Estado do Tesouro, colocaram-lhe, como colocam a todos os que hoje exercem hoje funções governativas, outras exigências.

9. Reis não teve oportunidade de ler, ou de antecipar, os critérios que hoje se anunciam a cada um dos escolhidos para as funções nos governos, padrões que aqui desenvolvemos em texto muito sentenciado (Expresso de 22 de Novembro de 2002).

10. Mesmo que seja legal todo o processo (o que se duvida tendo em conta o regime legal do Gestor Público, mas que o escritório de Pedro Rebelo de Sousa terá desconsiderado), deverá o país discutir o caso concreto sob o ponto de vista da “moralidade elástica” que a cada um diz respeito? A nossa resposta é positiva! Porque no tempo do hoje não se pode deixar de olhar para trás, perante cada convite, sem que cada um dos escolhidos se questione sobre a probidade de atos praticados, de vidas tidas.

11. Há, contudo, aspetos que devem ser analisados no debate político. Esses elementos não são os que se prendem com o caso que levou Medina a demitir a sua secretária. Mas sobre ocorrências futuras que devem ser prevenidas.

12. O Governo ou o Parlamento devem aprender com o que aconteceu e atuar já, suportando uma iniciativa legislativa que impeça indemnizações somadas a novas remunerações de natureza pública. Revelar-se-ia em quatro pontos:

a) as indemnizações devem continuar a seguir a lei geral e devem ser pagas;

b) os valores acordados devem ser liquidados mensalmente e durante o restante tempo de vigência do contrato cessado;

c) a aceitação de um convite posterior para funções de natureza pública (políticas, de gestão ou de direção) fazem reduzir o valor a liquidar pela entidade a quem cumpre a indemnização;

d) a redução será entre o valor mensal da indemnização e a nova remuneração; e) o valor sobrante deverá ser entregue, pela entidade responsável pela indemnização, à entidade gestora das contribuições para a segurança social como quota extraordinária.

13. Os indivíduos com indemnizações não cessadas deverão aderir ao novo regime a partir da publicação do diploma que resultaria da construção normativa dos critérios acima referidos.

14. Os órgãos políticos têm de deixar de se enredar em casos e casinhos, mas também têm de ser rápidos na resolução dos problemas que emergem das falhas que as nossas regras legais vão indicando.

PS: Trabalhei diariamente com António Costa entre 2002 e 2007. Sempre tive para mim que Costa tinha no seu leque de conhecimentos cinco nomes credíveis e “limpos” para cada lugar governativo. A sua passagem pela Câmara de Lisboa reduziu-lhe o universo de recrutamento e determinou as escolhas nos seus três Executivos. Mas há quem seja da sua inteira confiança e saiba o que há por aí humano de boa cepa. Que faça consultas e listas de suplentes. Vão ser necessárias.

 

Ascenso Simões

 

(Foto DR)

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Publicado em Opinião