Dos deslumbrados aos abandonados

Entretanto, vários estudos revelaram o fracasso do Magalhães e nós sentimos na pele o descalabro da governação que afundou o país. Agora, em mais uma visão ímpar para o futuro, o Governo quer dar a cada aluno um tutor de inteligência artificial que “ouve, inspira e orienta a aprendizagem nas escolas”.

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  • 18:39 | Sábado, 22 de Novembro de 2025
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DESLUMBRADOS – Ricardo Araújo Pereira, no programa “Isto é Gozar Com Quem Trabalha” (SIC), convidou um especialista em “parolologia” para falar da Web Summit que decorreu, entre os dias 10 e 13 de novembro, em Lisboa.

O “parolólogo” Cláudio identificou e explicou vários tipos de parolice na grande conferência de tecnologia. Lisboa entra no mapa global da tecnologia e inovação e parte da elite da capital tem reações pavlovianas. Deixo as considerações, sobre parolices, para o RAP e a sua equipa. Se ainda não viu o programa, veja. Uma coisa é certa, basta ver o desfilar das figuras públicas no palco dos sonhos, na feira das vaidades, os semblantes e as coreografias, para não restarem dúvidas quanto ao total deslumbramento.

A tecnologia tem o condão da excitação. Quem ainda se lembra do computador Magalhães, o início de uma nova “cruzada” (tecnológica) que colocaria Portugal nas bocas do mundo?


Recordo, o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, a afirmar a sua admiração pelo “maravilhoso” computador Magalhães, ao qual dizia fazer publicidade em todo o mundo, tendo mesmo dado um exemplar à primeira-dama da Síria.

Entretanto, vários estudos revelaram o fracasso do Magalhães e nós sentimos na pele o descalabro da governação que afundou o país. Agora, em mais uma visão ímpar para o futuro, o Governo quer dar a cada aluno um tutor de inteligência artificial que “ouve, inspira e orienta a aprendizagem nas escolas”.

§  Será o Governo do país em que há escolas com turmas inteiras sem computadores?

§  Será o Governo do país em que a falta de professores, no 1.º ciclo, deixa mais de três mil alunos sem aulas?

§  Será o Governo do país em que os crimes e a violência voltaram a aumentar nas escolas?

O deslumbramento de uns poucos não sai barato a uns quantos. A Câmara de Lisboa aprovou a atribuição de 7,24 milhões de euros para a décima edição da Web Summit.

As sumidades viajaram em jatos particulares que não encontraram a resposta necessária no nosso país, alguns terão aterrado em Badajoz. Parece que os tecnólogos consideraram o alojamento em Lisboa muito caro. O ideólogo do evento, Paddy Cosgrave, criticou a “ganância” (a sério?) de alguns hotéis pelo disparo nos preços dos quartos durante a semana do evento e atirou que “ainda têm a lata de se queixar”.

Começam a fazer mais sentido as análises do especialista em “parolologia”, num país de deslumbrados que pouco ou nada faz em relação aos abandonados.

ABANDONADOS – no mesmo período em que a capital vibrou com os tecnólogos, fomos confrontados com o país dos abandonados, dos pobres, cada vez mais desumano e desigual. 9,2% dos trabalhadores portugueses estavam em risco de pobreza em 2024 (Eurostat).

Quase 20% dos portugueses em risco de pobreza e exclusão social (Rede Europeia Anti-Pobreza). 1,8 milhões de pessoas vivem em famílias com menos de 632 euros/mês. Mães solteiras e empregadas constituem os novos rostos da pobreza em Portugal, algumas delas com mais do que um emprego.

Normalizam-se os encerramentos das urgências. Há bebés a nascer em ambulâncias, em áreas de serviço, na rua. Há grávidas que morrem na maternidade.

O relatório Health at a Glance 2025 assinala que Portugal é um dos países da OCDE que envelhece mais rapidamente e estima que, em 2050, um terço da população tenha 65 e mais anos e mais de uma em cada oito pessoas terá mais de 80 anos.

Somos dos países que têm menos camas e trabalhadores para cuidar de idosos, 3,9 camas por 1000 com 65 e mais anos e 0,8 trabalhadores por 100 pessoas com 65 e mais anos. Os internamentos sociais inapropriados aumentaram 20% em dois anos e os custos mais de 80%. (Relatório de Avaliação de Desenvolvimento e Impacto do Sistema de Saúde). Mais de metade das pessoas que vivem em lares revelam sinais de declínio cognitivo compatíveis com a demência. A maioria dos profissionais que as acompanha nunca recebeu formação específica nesta área e muitos admitem não se sentir preparados para lidar com esta condição. Apenas 33% dos lares permite que as pessoas com demência circulem em espaços exteriores, nos jardins existentes na instituição. Três em cada quatro pessoas com demência, que vivem em lares, nunca saiu para o exterior da organização. Apenas 15% recebem visitas frequentes dos filhos.

Vivemos hoje numa nova cultura, profundamente moldada e construída com e pela tecnologia. Cabe-nos a nós, a vós, garantir que essa cultura se mantém humana” (Papa Leão XIV)

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Publicado em Opinião