O Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) mudou as regras para a mobilidade estatutária de professores, reduzindo-a em 35%, para que os docentes de disciplinas e zonas com maior carência regressem às escolas; recusando os destacamentos que possam ser assegurados por docentes da própria escola ou por técnicos superiores bem como mobilidades para entidades nos casos em que as funções a desempenhar pelos docentes não tenham impacto direto nas aprendizagens curriculares. O Juiz Desembargador Paulo Guerra, uma figura de referência, no que diz respeito à promoção e proteção das crianças e jovens, colocou a nu as consequências: “A alteração vai afetar as CPCJ, esclarecendo-se que as funções serão atribuídas pelos diretores a docentes que estejam dispensados da componente letiva ou de funções docentes (…) Colocar nas CPCJ professores em fim de carreira ou algo alheados do sistema é um erro civilizacional de um alcance incomensurável, diria mesmo, um crime de lesa-infância.” (Público, 01/09/2025)
Não consegui perceber o que pretendeu dizer, em entrevista à Lusa, a senhora presidente da CNPDPCJ, Ana Isabel Valente, ao afirmar que “a lei de proteção de crianças e jovens em perigo não impõe que os representantes da Educação sejam docentes e o protocolo assinado em 2024 prevê que deverão ser, preferencialmente, professores“. Teria sido interessante dizer-nos que propostas poderão estar em cima da mesa, no caso de não serem os professores os representantes da Educação.
Ficam bem vincadas as fragilidades do modelo de funcionamento das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ), assente, quase exclusivamente, na colaboração de entidades públicas e privadas e em boas ou más vontades. Há bons e maus profissionais em todas as áreas, com ou sem vocação, com ou sem perfil para o desempenho de determinada função. Recrutar, formar e reter talento é uma tarefa cada vez mais difícil. No caso das CPCJ, dada a natureza sensível das competências que lhes estão atribuídas, exige-se um elevado grau de especialização, formação e dedicação.
O erro está ao virar da esquina, mais ainda quando assistimos à complexificação da realidade social, num mundo em constante e vertiginosa mudança. Urge terminar com a instabilidade que existe nas equipas das comissões, que estão em permanente mudança. É necessário profissionalizar, assegurar estruturas técnicas e profissionais mínimas, complementando-as e robustecendo-as através dos representantes das entidades legalmente previstas. Uma putativa mudança de modelo não se faz de um dia para o outro. Para que sejam mitigadas as dificuldades, o Governo deve adotar as medidas necessárias à resolução da carência de técnicos e universalizar o sistema de formação disponibilizado às CPCJ que assegure a formação básica a todos os membros e a correspondente atualização profissional, técnica e científica.
A missão das comissões é exigente, a comunidade deve estar grata ao trabalho que desenvolvem, em prol dos mais frágeis, as crianças e jovens. Contudo não podemos estagnar e ficar amarrados a ideias e modelos pretéritos que revelam dificuldades em responder aos novos contextos familiares, sendo cada um deles um ecossistema único que exige tempo para a análise e diagnóstico, soft skills, conhecimento e competências específicas para que as decisões sejam informadas, responsáveis e centradas no superior interesse da criança ou jovem.