A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista tornou-se, ao longo dos anos, um organismo que mais parece fiscalizar convicções do que avaliar práticas. O seu modo de agir revela um viés ideológico que ultrapassa a simples aplicação da lei e que, no caso das publicações de inspiração religiosa, se transforma num obstáculo quase intransponível. Há uma linha invisível que separa o jornalismo reconhecido do jornalismo tolerado, e o religioso tende sempre a cair do lado dos excluídos.
Essa atitude é reveladora de um anticlericalismo institucional, discreto mas persistente, que ainda se insinua em certas estruturas da comunicação social portuguesa. É o mesmo espírito que confunde fé com proselitismo e confunde independência com ausência de valores. Ora, o jornalismo confessional não é doutrinação, é uma forma legítima de participar no espaço público, iluminando a realidade a partir de uma perspetiva ética e espiritual. Excluí-lo é amputar a pluralidade da comunicação social e reduzir o jornalismo a uma ortodoxia ideológica travestida de neutralidade.
A Constituição da República Portuguesa é explícita: o artigo 37.º garante a liberdade de expressão e de informação, e o artigo 41.º protege a liberdade religiosa e de consciência. Estes direitos não se contradizem, completam-se. Defender a liberdade de expressão enquanto se limita a liberdade religiosa é uma incoerência civilizacional. Quando um organismo público recusa reconhecer o trabalho jornalístico feito em publicações religiosas, está a negar o pluralismo que a democracia deveria cultivar.
O jornalismo que nasce da fé é muitas vezes o que mais se aproxima da vida real. Nas misericórdias, nas paróquias, nas instituições de solidariedade, produz-se informação sobre o humano, sobre o social, sobre o invisível. É ali que se denuncia a pobreza, a solidão e a injustiça sem medo de ferir sensibilidades políticas. Ignorar esse trabalho é negar a própria essência do jornalismo, que é dar voz a quem não tem voz.
O que se pede à Comissão da Carteira de Jornalista não é deferência religiosa nem simpatia institucional, é apenas justiça. A laicidade não deve ser arma de exclusão, mas garantia de equidade. A neutralidade do Estado — e também dos organismos que orbitam à sua volta — não consiste em afastar o religioso do espaço público, mas em tratá-lo com a mesma legitimidade que qualquer outro discurso. Só assim a liberdade de imprensa será realmente livre e a democracia verdadeiramente plural.
E quando se observa o modo como este organismo atua, com a sua estrutura mínima de cinco funcionários, longe dos holofotes e sem verdadeiro escrutínio externo, é inevitável questionar se não haverá aqui uma certa discriminação seletiva, que silencia uns e protege outros. Talvez o caso recente de Maria João Avillez, cuja carteira profissional foi discutida com um zelo desproporcionado, revele essa tendência. Talvez ela própria tenha sido, como tantos outros, “cilindrada” por uma comissão que, paradoxalmente, sendo parte da comunicação social, permanece fora da sua luz.

Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor