Camões, também vítima do Covid

Nos tempos da senhora minha Mãe, ninguém se chegava à 4ª classe com asneiras deste jaez.

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  • 21:25 | Terça-feira, 14 de Abril de 2020
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O surto infeccioso que se propaga, contaminado e matando, tem a bondade de proporcionar a muitos a possibilidade de falar sobre o que não sabem. Uns, copiando o que outros já tinham dito em canais concorrentes, outros não acrescentando nada de novo, outros disparatando. Há comentadores de aviário, que não explicam, confundem. Poupam-se os profissionais de saúde, a quem devemos os esclarecimentos sensatos e os cuidados extremosos.

Normalmente, acompanho os noticiários e programas temáticos, procurando tranquilidade e sossego para as minhas angústias.

O surto tem impactos na saúde, na economia, na socialização, nas rotinas. E na língua.


A língua, umas das últimas parcelas de soberania que a globalização e os federalismos nos permitem reter. Tratemo-la pois como um tesouro, para que se não conspurque com maus tratos.

Há os que, sem rir, dizem “para que mantênhamos uma evolução favorável”.

Há os que, sem corar, afirmam “para que póssamos sair desta crise o mais cedo possível”.

Há os que garantem “isto só acaba com uma vácina”.

Há os que, convencidos, asseguram que “isto diz respeito ao colectivo de todos”.

Há os mais ousados que nos avisam “atreverei-me a pensar que isto vai correr mal”.

Há os que informam que “quaisqueres facilidades podem estragar os números”.

Há os que nos tranquilizam, dizendo que “existe testes em quantidade suficiente”.

Há os que adivinham que “há-dem vir dias melhores”.

Há os que pedem que não esqueçamos os “idosos mais velhos”.

Há os que, cansados, antecipam que ainda está longe a recta “fineira”.

Reproduzo apenas o que, desgostoso e eriçado, ouvi.

Nos tempos da senhora minha Mãe, ninguém se chegava à 4ª classe com asneiras deste jaez.

Camões, Pessoa, Camilo, Aquilino, Torga e Sophia, talentosos estetas da língua materna, nunca terão sido tão ofendidos por gente responsável, mas, ao mesmo tempo, tão ignorante nos cuidados e carinhos que a leitura e a escrita exigem.

Apesar de tudo, não consta que a abóboda e as colunas do Panteão Nacional se tenham desmoronado. Nem os vistosos mármores perdido o lustro.

Não havia necessidade…de tanta imperícia e tolice.

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Publicado em Opinião