A pesada consciência do Governo

Com um povo cordato, que ontem, irado e sofrido rogava pragas “à pandilha de Lisboa”, e hoje emocionado, nos acolhedores braços ministeriais, chora a sua sentida e retida emoção, é quase seguro que se esqueça a “argolada” e, peito ancho de perdão, se olvidem as angústias, a dor, as perdas, o sofrimento...

Tópico(s) Artigo

  • 17:26 | Quinta-feira, 21 de Agosto de 2025
  • Ler em 2 minutos

Hoje temos o Conselho de Ministros a reunir em Viseu. Provavelmente assim o determinou a consciência intranquila do primeiro-ministro que, em termos comunicacionais e em postura de estadista, tão sofrivelmente se comportou nos últimos dias.

Ardia o País e da boca de Luís Montenegro, em gozo de férias, nada se ouviu. Uma palavra de solidariedade era o mínimo que se podia esperar. Ela nunca chegou.

A toda a parte chegavam, sim, as imagens das festarolices dele e seus correligionários, na Festa do Pontal ou, alheado, a banhos na cálida praia do Ancão.


Não se esperava que viesse ajudar ao fogo, mas mal não lhe teria ficado vê-lo em Viseu, capital do distrito em chamas, então e não agora, com tudo ardido, a correr atrás do prejuízo, no restauro tardio da imagem chamuscada.

O que Montenegro e o seu galhofeiro staff não esperavam é que a comunicação social e o povo anónimo, nas redes sociais, lhe tivessem infligido tão ferina crítica e tão impiedoso quão merecido ataque.

Fazendo reset da sua actuação, convocou as dispersas e bronzeadas tropas e veio, finalmente, por aí a cima – as eleições autárquicas estão à porta – mandar os seus pontas de lança, num ápice, juntar-se em Sernancelhe com vários autarcas, para avaliar dos prejuízos e prometer o seu ressarcimento, e às 17h00 reunir com as hostes na CMV.

Depois, provavelmente, irão todos à feira de S. Mateus comer enguias e farturas a convite dos anfitriões locais. Aos concelhos devastados não foram, com natural receio de enfarruscar as alvas camisas e de macular os luzidios sapatos. Compreende-se, os fatos Armani sujam-se muito e os sapatos Rossetti não são para calcorrear carreirais calcinados pelas inclementes chamas.

Com um povo cordato, que ontem, irado e sofrido rogava pragas “à pandilha de Lisboa”, e hoje emocionado, nos acolhedores braços ministeriais, chora a sua sentida e retida emoção, é quase seguro que se esqueça a “argolada” e, peito ancho de perdão, se olvidem as angústias, a dor, as perdas, o sofrimento e se reconciliem com a boa governança, que rege os destinos de todos nós e que, com a lábia de vendilhões de banha da cobra, vem mostrar a tardia contrição e fazer esquecer a impreparação e as falhas de todo um sistema que capitaneiam, indiferentes aos resultados catastróficos que dele tão devastadoramente surgiram.

Ao menos, que além das dúbias palavras e das ambíguas retóricas sejam capazes de abrir a mão aos euros do erário público, mitigando, não as mortes, mas os prejuízos materiais de milhões, não restaurando o património perdido, fauna e flora compreendidos, mas abrindo uma ténue via de esperança para o reiniciar de nova vida.

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por
Publicado em Opinião