A Casa da Vergonha

Dia após dia, adultos e crianças e jovens passam pelo exterior desta Escola Superior de “educação” e assistem impotentes ao triste espectáculo que – a acontecer dentro do recinto da escola é assim ”chancelado”, como “coisa oficial” à qual nada se pode opor.

Tópico(s) Artigo

  • 19:55 | Quinta-feira, 06 de Agosto de 2020
  • Ler em 2 minutos

Habituámo-nos a dar por garantido o conhecimento.

Como se por geração espontânea a ventilação assistida – que salva vidas quando os pulmões se afogam de covid – tivesse aparecido sozinha nos manuais de medicina intensiva.

Não.


Não há o milagre do conhecimento.

Quase tudo o que damos por adquirido – da anestesia que nos poupa sofrimentos medievais à bica extraída sob pressão na vulgar máquina do café, tudo, mas mesmo tudo, é fruto dessa aventura humana de séculos, perdida no tempo, chamada conhecimento.

O conhecimento tem lugares, regras, rituais, histórias, protagonistas, tradições e acasos. É um caminho rico e verdadeiramente precioso.

Tem momentos caricatos – e só me ocorrem as cerimónias de doutoramento e os estranhos chapéus que assinalam a douta sapiência – tem momentos de epifania, e lembro-me de Elvira Fortunato e dos seus écrans de papel, e tem momentos de cumprir calendário – com ziliões de trabalhos que não interessam nem ao menino jesus e ocupam terabytes de memória com destino ao esquecimento.

Vem isto a propósito de um paradoxo que me aflige, ano após ano, desde que levo a minha filha mais nova à escola D. Dinis.

Numa especial Casa de Conhecimento- a ESECS –  onde se formam os futuros professores, no início do ano lectivo, um espectáculo dantesco repete-se dia após dia, logo pela manhã muito cedo.

Grupos de estudantes da Escola Superior de “educação” organizam-se, num frémito de excitação que lhes dá uma energia de abelhas em colmeia, alimentadas por essa química do poder, o pequeno poder.

E é vê-los, vê-las (tantas raparigas a desmentir o mito de que a violência é sobretudo masculina…) a berrarem sobre as cabeças dos pobres caloiros, caloiras, ajoelhados como cristãos na arena romana à espera dos leões. Ouvem os insultos vociferados pela turba – cuja coragem geralmente esmorece quando não estão em bando – e tudo aceitam, na humilhação colectiva que lhes promete uma “integração”, tudo menos ficar só, porque a solidão de quem chega de nova a um lugar é a rejeição de que não precisam , no início de um novo caminho que já tem os ingredientes necessários ao medo do que é novo e desconhecido.

Dia após dia, adultos e crianças e jovens passam pelo exterior desta Escola Superior de “educação” e assistem impotentes ao triste espectáculo que – a acontecer dentro do recinto da escola é assim ”chancelado”, como “coisa oficial” à qual nada se pode opor.

É triste, extraordinariamente triste, que na Casa do Conhecimento floresça a vergonha. A vergonha de usar a humilhação para “acolher” quem chega de novo.

A praxe precisa do esforço colectivo e pedagógico de dizer não!

Não é assim que se acolhe, não é assim que se integra, não é assim que se dá o exemplo, não é assim que se inicia um percurso na Casa do Conhecimento e não é assim que se honra nenhuma tradição.

Todos os dias que ali passamos, peço à minha filha para não olhar.

A impotência de não poder terminar com a ignomínia, sempre me envergonhou.

 

 

 

 

 

 

 

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por