Num país onde grande parte da população tem dificuldade em ganhar 870 € brutos por mês, o que dá uma média de 29 € ilíquidos por dia, causa bastante perplexidade sabermos que um dermatologista do maior hospital público do país – o hospital de Santa Maria, em Lisboa – a realizar cirurgias maioritariamente de remoção de quistos e sinais benignos ganhou 51 mil € num sábado, por umas horas de intervenção.
Este tipo de cirurgias é incluído no programa SIGIC (Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia) e, pelos vistos, padece de uma eventual falta de controlo que permite situações polémicas, como esta.
O médico em causa terá facturado em dez sábados mais de 400 mil euros.
Provavelmente terá um assombroso ritmo e capacidade de trabalho que decerto também terá no seu horário semanal normal. Ou não? Será que esta capacidade operatória só sucede aos sábados?
Carlos Martins, licenciado em Relações Internacionais pela U. do Minho, foi secretário de estado da Saúde no governo de Durão Barroso e substituiu a actual detentora da pasta da Saúde, Ana Paula Martins no cargo de PCA.
Serão estas situações extensivas a outras USL?
Há alguma opacidade neste concreto contexto, ninguém ignorando que as USL gerem inúmeros milhões de euros por ano. Situações deste tipo e teor justificarão parcialmente o descontrolado sorvedouro de dinheiros públicos? Estarão tão normalizadas que se tornaram prática comum, ou são casos excepcionais, isolados e sem duplicação noutras estruturas de saúde pública?
De concreto e sem querermos entrar por vias ziguezagueantes e demagógicas, o esforçado cidadão comum português, trabalhando 8 ou mais horas por dia, ganhando o salário mínimo nacional em vigor desde 2025, recebe 10.440 euros ilíquidos por ano. O que, grosso modo, nos diz que para ganhar os 51 mil euros de umas horas de um sábado ganhos por este dermatologista, precisaria de labutar durante 5 anos.
Sem querer comparar a eficácia, especialização e alcance do trabalho de cada um, há aqui algo de obsceno em termos sócio-laborais. Mas há mais, há um sistema que o permite, conselhos de administração que não o veem e auditorias que o branqueiam.