Porque hoje é sábado

(…) Há um rico que se mata Porque hoje é sábado Há um incesto e uma regata Porque hoje é sábado Há um espectáculo de gala Porque hoje é sábado Há uma mulher que apanha e cala Porque hoje é sábado Há um renovar-se de esperanças Porque hoje é sábado Há uma profunda discordância Porque […]

  • 21:38 | Domingo, 08 de Junho de 2014
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(…)
Há um rico que se mata
Porque hoje é sábado
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado
Há um espectáculo de gala
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado
Há um grande espírito-de-porco
Porque hoje é sábado
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado
Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado
(…)
De Vinícius de Morais que toda a gente conhece…
Mas sem o ritmo, o tom, o som, a poesia, mesmo assim, delgadinho, hoje foi sábado.
E que bom ter um dia assim, sem frio, com um sol tímido, uma chuva branda e perfumada a regar a terra.
Um sábado, um jornal pela manhã e um café.
Um passeio com o Argos e meia dúzia de fotos por aí.
Um almoço leve, um livro comprado, encomendado, esperado. De Fernando Echevarría, “Categorias e Outras Paisagens”, que começa assim É o que vemos que nos reza dentro… e 500 páginas adiante, naquele estilo onde tudo se cumpre a rigor e com o brilho dos dias limpos, deste modo se acaba O sol da tarde e do inverno / adoça o frio da idade…
Que mais não fosse outro pretexto não invocaria para nesta companhia remansar.
Ao fim do dia um passeio pela Ribeira, o Argos ao lado, de tão trôpego, mais próximo. Recorrente fotografo aquelas águas, as sombras dos carvalhos a boiar, as pontes, as casas velhas em redor, aquela janela esventrada onde a cortina de atalaia se quedou d’esvoaçar.
Um passeio curto por aí. Cada dia o raio deste círculo já de si não perfeito encolhe e se limita… A casa. Os livros. A música. E seis declarações de intenção a cumprir:
nº 1: não ligar a televisão, não vá entrar-nos o governo casa adentro de revólver na mão;
nº 2: recusar a ideia de que este sossego é tentador;
nº 3: execrar o conformismo cinco dias por semana;
nº 4: dar graças por permanecer lúcido;
nº 5: almoçar amanhã com gente de afectos íntegros, mesmo que a distância seja atrito ou a inércie intente tolher o ânimo;
nº 6: escrever este editorial ao fluir da pena, sem falar na porcaria dos políticos que sujam e salgam solo que pisam, tornando a fértil leira sáfaro lenteiro.
E agora, fica aqui bem a Agustina (de tanto a ler somos quase íntimos, por isso a chamo assim) “Quando as pessoas admitirem, sem humilhação, que a sua vivência pessoal das coisas não é um fenómeno restrito ao seu mundo de interpretações, mas uma constante inútil, então conseguirão a paz. (…) As pessoas desejam uma palavra ao mesmo tempo fácil e comovedora. Esperam menos a solução definitiva dos seus problemas, do que a inspiração para os viver e amar. Água de Maio, em vez de valores de museu.” (Alegria do Mundo II, Guim Ed. 98).
Amanhã é Domingo, dies dominica, ou dia do senhor.

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