O discurso dos cínicos

Já não é a primeira nem a segunda vez que escrevo sobre a apropriação indevida das palavras nos discursos dos políticos e na tentativa porfiada de afirmarem exactamente o contrário daquilo que fazem. Exemplo disto foi este Congresso do PSD onde o cinismo encontrou culminâncias inatingidas. Atentemos em algumas frases de Passos Coelho, poucas: O […]

  • 19:08 | Segunda-feira, 24 de Fevereiro de 2014
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Já não é a primeira nem a segunda vez que escrevo sobre a apropriação indevida das palavras nos discursos dos políticos e na tentativa porfiada de afirmarem exactamente o contrário daquilo que fazem. Exemplo disto foi este Congresso do PSD onde o cinismo encontrou culminâncias inatingidas.
Atentemos em algumas frases de Passos Coelho, poucas:
O 2º resgate “representaria para todos os portugueses uma péssima notícia” pois traria “sacríficos incomparavelmente maiores” do que os já feitos…
(desmesura num condicional e com um advérbio de modo aquilo de que hipoteticamente nos livrou…)
Não é preciso fazer um contrato com o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia para sabermos o que é preciso fazer…”
(andou sempre a reboque e agora quer parecer um lidere incontestado…)
“Eu não quero festejar porque verdadeiramente nós não temos nenhuma vontade de festejar
(não tem feito outra coisa: deita foguetes e apanha as canas, agora vem com o compungimento hipócrita…)
“muitas pessoas no país ainda não sentem a melhoria da macroeconomia” e acrescenta “um Governo que não tem noção dos sacrifícios do país nunca conseguirá governar de acordo com as aspirações dos cidadãos
(é exactamente o governo que encabeça aquele que se borrifa para os sacrificados – sempre os mesmos, os mais fracos – e quanto a aspirações dos cidadãos, só a sua demissão imediata…)
“Não queremos um país fechado sobre si próprio, nem o regresso do escudo. Queremos um país com um Estado social forte — e sabemos que é forte, comparado a outros países — mas que só será sustentável se a economia o permitir e as escolhas o determinarem”
(a demência emerge…)
“Foi possível chegar aqui e evitar uma situação mais grave, porque trilhámos o nosso caminho e tomámos a nossas opções, e quero, com muita humildade, apresentar a minha enorme gratidão perante todos os portugueses, que, com todos os sacrifícios, fizeram que este pudesse vir a ser um momento de esperança para o futuro de Portugal”
(humilde e grato…, o espelho estilhaçou-se)
“Será preciso pedir à troika que nos diga o que temos de fazer? Não sabemos nós encontrar as medidas de que precisamos?”
(o Rambo que só pia nas costas da troika…)
Essa era a melhor oferta que os partidos podiam fazer no 25 de Abril”, afirmou, “era uma convergência política nos 40 anos da Revolução
(falar na Revolução de Abril, naquela boca, é um paroxismo de escárnio…)
a crise vivida no país não tem paralelo com os outros dois pedidos de ajuda externa efetuados nos últimos 40 anos pelo Estado português, tendo comparação apenas com a bancarrota que Portugal viveu no final do século XIX.”
(e já agora com o terramoto de 1755 e a erupção do Etna e o tsunami nas Filipinas, não?)
As inverdades são tantas vezes repetidas e com um ar tão convicto de jesuíta no púlpito, que há quem nelas acredite. O povo afirma: “Uma mentira muitas vezes repetida torna-se uma verdade.” Esta postura não é exclusiva de Passos Coelho, mas é, no caso, de muita mestria de quem lhe serve as discursatas em bandeja, pois faltar-lhe-á competência para tão hábil urdidura.
Este discurso não tem nenhum valor de comunicação. São chavões de impacto para aquecer as plateias. Existe apenas porque tem uma coincidência entre o real e o proferido. Um código que exprime uma relação contrária ao seu conteúdo. Usa termos progressistas para veicular cláusulas de conjuração. Muitos substantivos para dar cobertura da realidade. O verbo perde valor. O adjectivo e o advérbio funcionam como uma revigoração para apresentar inocência e credibilidade. Veiculam o vazio da retórica… O oco que ecoa na acefalia.
Habituemo-nos: quando este homem fala basta virarmos o discurso ao contrário para percebermos a verdade das suas palavras…
Entretanto, apresentou os orgãos Nacionais do Partido, sem surpresas à excepção do antigo colega da Tecnoforma, o inefável Dr. Relvas (ou agora é engenheiro?)…
Mesa do Congresso
– Fernando Ruas (Presidente)
– Hermínio Loureiro e Fernando Costa (Vice-Presidentes)
Conselho de Jurisdição Nacional
– Calvão da Silva (Presidente)
Comissão Nacional de Auditoria Financeira
– Pedro Reis (Presidente)
Conselho Nacional
– Miguel Relvas – a cereja em cima do bolo…
– Nilza de Sena
– Hélder Silva
– Cancela de Moura
– Vítor Martins
Comissão Política Nacional
– Jorge Moreira da Silva (1º Vice-Presidente)
– Marco António Costa (Vice-Presidente e Coordenador Permanente da CPN)
– Teresa Leal Coelho (Vice-Presidente)
– Pedro Pinto (Vice-Presidente)
– José Matos Correia (Vice-Presidente)
– Carlos Carreiras (Vice-Presidente)
– José Matos Rosa (Secretário-Geral)
Director do “Povo Livre”
– Miguel Santos
Comissão de Relações Internacionais
– Braga de Macedo
Comunidades Portuguesas
– Carlos Gonçalves
O Congresso do CDS foi o que se viu; este idem aspas, o do PS o que se prevê… Em suma, tudo mais do mesmo; uma cáfila de trauliteiros travestidos em missionários, a evangelizar as hostes, galvanizando-as com a imagem do lauto banquete para o qual eles, e só eles, foram convivialmente convocados. A manjedoura do poder.

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