O Bonaparte da Vinolândia

“Tenho mais medo de três jornais do que de cem baionetas.” Napoleão Bonaparte   Reza a história que um dia na Vinolândia nasceu um jovem infante que desde a mais tenra idade se julgava Napoleão. Tal era a desmedida assunção do desiderato que desde tamanhinho cavalgava uma vassoura de pau com crinas de cordel, usando […]

  • 20:14 | Sábado, 19 de Dezembro de 2015
  • Ler em 2 minutos

“Tenho mais medo de três jornais do que de cem baionetas.” Napoleão Bonaparte
 
Reza a história que um dia na Vinolândia nasceu um jovem infante que desde a mais tenra idade se julgava Napoleão.
Tal era a desmedida assunção do desiderato que desde tamanhinho cavalgava uma vassoura de pau com crinas de cordel, usando um tricórnio na cabeça feito em papel de jornal, co’a mão esquerda pegando nas “rédeas” e com a direita enfiada bibe adentro quando não empunhava um brandido sabre de papelão.
O infante cresceu, fez-se um homenzinho e nunca a ideia se lhe desarrimou ou varreu da tenra e tenaz cabecinha. Antes pelo contrário, cada vez mais se convencia ter o destino traçado nas estrelas e augúrios fortes do ímpeto político que em suas asas longe o levaria.
E assim se meteu na “jota”, a academia de escol dos aspirantes a políticos e aí, com denodo, empurrão e férreo músculo, foi subindo degrau a degrau, nem sequer para recobrar ânimo se detendo.
Anos após congeminou faltar-lhe um qualquer instrumento de apoio para se inçar e tornou-se, paredes meias com a oposição, uma espécie de berlusconi local. Vai daí “alavancou-se” nos anais dos jornais, como se diz muito hoje em dia.
Entrado na lista de deputados, por muito mérito pessoal e desmérito dos circundantes, célere chegou a tribuno da Nação.
Na véspera da posse, para garantir o empenhamento da exclusividade e ganhar mais uns sestércios, renunciou ao mester de jornaleiro, com muita mágoa da legião de seus leitores.
Mal se viu na Casa do Povo, tal ímpeto trombeteiro se lh’instalou pulmões a fundo que, a pena largada, logo irrompeu em retóricas e discursatas várias, veniando à esquerda e à direita, num jeito próprio de alargar consensos, com humilde semblante, brandas palavras, amaviosos gestos e recatado olhar.
O Parlamento ganhara o seu Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda…
Começou a rogar aqui e pedinchar além para ir ao ecrã falar do futuro do país, concessão que logo lhe foi feita e onde, diplomata melífluo e habilidoso, ganhou a estima até dos próprios holofotes e microfones.
A vida sorria-lhe e seus arquitectados auspícios pormenorizadamente construídos iam-se gradualmente concretizando.
Faltavam-lhe agora somente duas fragas a trepar antes de chegar ao pré-topo do seu Sinai… ser o senador territorial do partido e o candidato municipal, por si próprio escolhido e pelo Povo mui louvado.
De seguida, escoada a premente via-sacra, cumprida a pátria missão a pulso e esporim trilhada, só sonhava já não com a batalha de Liepzig, ou com a campanha do Egipto ou Waterloo …. mas com o dia em que de Versalhes anunciaria a seu condescendente ascendente em glorioso sussurrar sibilado e triunfante: “Pai, sou Ministro!”
Só não lembramos como se chamava aquela ilha onde Napoleão Bonaparte acabou os seus dias envenenado? Elba? Ah, não, Elba foi de passagem! Santa Helena…
 
“É a imaginação que governa os homens” – Napoleão Bonaparte
 
Nota:
É nitidamente claro que esta rábula é mera ficção e que qualquer analogia com situações ou pessoas reais é pura coincidência. Até podia ser um conto de Natal do tipo “Valeroso Milagre”, mas faltou-nos a arte.
 
 

Gosto do artigo
Publicado por
Publicado em Editorial