“O bispo de Viseu era um batalhador, um soldado tingido de padre por fora…”

    “Feliz é ser rico sem ter de trabalhar“, assim pensavam os antigos gregos, designando as ocupações com o trabalho intelectual como “ócio” (otium), e o “negócio” (nec-otium) mais braçal, destinado a garantir a subsistência. Sendo um lázaro, apenas posso dar-me ao ócio em dia de “aniversário régio“, ou da implantação da República, para agradar […]

  • 15:57 | Domingo, 01 de Novembro de 2015
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Feliz é ser rico sem ter de trabalhar“, assim pensavam os antigos gregos, designando as ocupações com o trabalho intelectual como “ócio” (otium), e o “negócio” (nec-otium) mais braçal, destinado a garantir a subsistência.
Sendo um lázaro, apenas posso dar-me ao ócio em dia de “aniversário régio“, ou da implantação da República, para agradar também a troianos… E foi quanto fiz neste passado sábado. Hoje, domingo, mãos à obra, que basta de boa-vida!
 
Em Fevereiro de 1882, consternado, Ramalho Ortigão escrevia ter acabado de ler sobre a morte do bispo de Viseu, António Alves Martins. A ocorrência lembra-lhe um episódio, quando o conheceu e, enquanto jornalista, tendo obtido esta reação:
“— O senhor então – perguntou-me ele – é quem escreve para o Porto as tundas tremendas que de lá me cascam, e que eu leio todas as manhãs ao levantar da cama?
Eu era a esse tempo correspondente de um jornal portuense; o bispo fazia parte do ministério, onde tinha a pasta do reino, e as tundas que ele lia em cada manhã escrevia-as efectivamente eu em cada tarde.
— Pois dou-lhe os parabéns por essas tosas, que são boas – prosseguiu ele..
E, em seguida, afavelmente, pondo a mão no meu ombro, cumprimentou-me pela grossura das espáduas de que Deus me fez mercê, e acrescentou:
— O homem, para escrever nas folhas, quer-se de ombros largos, como para rachar lenha. Na controvérsia do jornalismo em que há tanta má-fé, tanta miséria e tanta porcaria envolvida no conflito das opiniões opostas, o melhor jogo é ainda assim o jogo de varrer… Por mais violência que haja, os bons princípios salvam-se sempre. Os caracteres também. Ao passo que, na confusão da refrega, há sempre algumas lambadas felizes que deixam arrombados, para algum tempo pelo menos, meia dúzia de malandros, que para aí andam a empecer e a emporcalhar tudo.”
(In “As Farpas”, 3º tomo, 4ª edição)
O leitor é inteligente e criterioso. Tire as suas conclusões.
Pela minha parte, D. António Alves Martins era exactamente como o descreve Ramalho:
“O seu temperamento destinava-o a ser um desses bispos feudais da idade média, de capacete na cabeça, o arnez afivelado por cima da púrpura eclesiástica, tendo numa das mãos um báculo de pastor e na outra uma espada da guerra.”
Curiosamente, Aquilino Ribeiro nutria uma especial admiração por este bispo. Não estranha, ambos eram Homens.
Recorde-se ainda que foi professor, enfermeiro, jornalista, político e bispo… perseguido, expulso da universidade, condenado à morte e… finado na miséria.
Quanto à insuspeita opinião que Alves Martins tinha sobre o jornalismo e os jornalistas, ela assenta como uma luva a uma grande maioria de sicários cevados à gamela do Poder que por aí pululam. Ou não?
 
 

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