Máscara no rosto, pânico nos olhos e medo nos pulmões

Todos nós, ao fim de um mês e meio, vivemos momentos de angústia e de saturação, não obstante a nossa cordura cidadã na aceitação das regras impostas, em prol de nós mesmos e dos nossos, mas também em favor de uma comunidade.

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  • 22:16 | Sábado, 25 de Abril de 2020
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De concreto tudo ignoramos. O vírus que assola o mundo como uma praga bíblica é multiforme, camaleónico, inconstante, invisível, traiçoeiro e cruel.

Mais, e apesar de mil conjecturas várias e plausíveis, ignoramos com certeza e garantia a sua origem, a sua diacronia e o seu fim.

Todos nós, ao fim de um mês e meio, vivemos momentos de angústia e de saturação, não obstante a nossa cordura cidadã na aceitação das regras impostas, em prol de nós mesmos e dos nossos, mas também em favor de uma comunidade.


Todos nós ansiamos estar fisicamente com a família, com os amigos, passear despreocupadamente de automóvel, ir jantar fora com quem entendermos, tomar um banho de mar, ir trabalhar normalmente.

Todavia, normalmente é o advérbio de modo que saiu das nossas vidas de um momento para o outro.

Porém, esses simples desideratos não são expectáveis de alcançar no futuro próximo. Os actos mais triviais do nosso quotidiano, as nossas mais banais rotinas, os nossos gestos mais culturalmente implantados – como um apertar de mãos – são agora suspeitos e possíveis actos de risco.

De súbito interiorizámos uma nova cultura, a da incerteza, da aversão, do repúdio, do medo.

As informações dos “especialistas” – que são mais que areias num deserto – diversificam cenários, timings, levantamento de medidas, de confinamento, de emergência, dão-nos cem teorias de conspiração diárias, disparam em todas as direcções os seus cartuchos de pólvora seca. São pagos para palrar e têm que parecer originais…

Lidamos com uma realidade tão nova que, na sua incompreensão, nos deixa atordoados e hesitantes nos comportamentos, nas atitudes e até nos sentimentos.

Actos colectivos – e o colectivo é mais que um – são um risco, desde aulas a festas, desde a ida ao barbeiro até ao beber de uma cerveja num bar.

A nova realidade exige uma profunda adaptação às novas regras. A novos conceitos que apagam os secularmente instituídos. A uma nova forma de vida que nós ainda desconhecemos. E aqui está o absurdo: Como adaptar-nos ao desconhecido?

Estaremos no grau zero de uma nova vivência e, se temos a flexibilidade mental para aceitar o novo, menos temos a irreversível capacidade de mergulhar no abismo desconhecido.

Enquanto isso e perdido o conceito e a noção de normalidade, também e em consequência definha a economia, os problemas e as necessidades avolumam-se, as insolvências repetem-se, o desemprego cresce assustadoramente, a crise social, por arrasto, desenha-se no horizonte cada vez mais próximo.

E esta consequência – sem querer ser catastrofista, só realista – será a nova praga, uma neo-peste, o esboroar de uma civilização arrogante assente em nunca vistos conhecimentos científicos, no esplendor do homo sapiens, aquele que hoje anda como uma sombra de máscara no rosto, pânico nos olhos e medo nos pulmões.

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