I love my headphones

Passei o domingo em casa. Já bem dobrado o cabo do meio século, dei-me ao gosto de intentar uma experiência inovadora, que tantas vezes – agora sei-o, vaamente – criticara. Coloquei uns headphones nos ouvidos, sintonizei o telemóvel na Antena 2, M-80 e RFM (passe a pub) e andei todo o santo-dia com boa música […]

  • 0:04 | Segunda-feira, 06 de Janeiro de 2014
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Passei o domingo em casa. Já bem dobrado o cabo do meio século, dei-me ao gosto de intentar uma experiência inovadora, que tantas vezes – agora sei-o, vaamente – criticara.

Coloquei uns headphones nos ouvidos, sintonizei o telemóvel na Antena 2, M-80 e RFM (passe a pub) e andei todo o santo-dia com boa música na cabeça.

Ouvi de tudo, desde Youtwo às cantatas do maestro figueirense David de Sousa, passando por Dido, Rachmaninov, Rui Veloso, Lou Reed, Jorge Palma, Stravinsky e… muitas dezenas de outros.


Alheei-me completa e propositadamente de quaisquer outros sons, logo, de grande parte da realidade envolvente.

Fui lendo e escrevendo, o que faço regular e diariamente bastantes horas por dia. Encantado com a hi-fi destes hétero-telemóveis que nos permitem telefonar, ouvir música, tirar fotografias, consultar o email, encontrar uma direcção, um destino, fazer jogos… (não, não caí de repente do paleolítico, nem descobri só agora a pólvora seca!). Fundamentalmente o que se me presentificou enquanto fenómeno e com muita nitidez é que esta forma de evasão nos transporta para um ilusório mundo melhor, com mais sentido, esteticamente atraente, lúdico, recreativo e essencialmente, desfocam-nos e desligam-nos por uns tempos do real e das suas agressões. Do mundo soturno, sombrio, imbecil, cheio de asperezas, dificuldades e gentinha. Espécie de eremitério do século XXI…

E uma coisa vos garanto: se quando via um adolescente pela cidade, alheado do real envolvente, com um ar pacífico e sonhador, headphones colocados e eu, no meu íntimo pensava: “Pobre zombie!”, hoje mudei 180º a perspectiva e sei que é mais uma criteriosa criatura a usar os meios ao seu alcance – aqueles que ainda não lhe tiraram – para dar uma cor quente ao mundo frio, velhaco e cinza que a minha geração lhe legou…

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Publicado em Editorial