Estamos mal-habituados

E porém, não satisfeito, o Compadre Zacarias remói o drama de lhe faltar o futebol e as horas a esmo a ouvir treinadores, jogadores e comentadores do chuto.

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  • 22:27 | Quarta-feira, 15 de Abril de 2020
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Falo por mim, claro está e por um grupo de amigos entre os quais incluo o sempre descontente compadre Zacarias.

Não posso falar por aqueles para quem o trabalho e o risco chegaram em triplicado, levando-os a encarar cada dia como mais uma batalha a travar de uma Grande Guerra. A minha homenagem e o meu respeito…

Hoje, logo pela alvorada, o compadre Zacarias telefonou-me assarapantado e excitado a perguntar se era domingo. Meio adormecido e ainda com parte do cérebro semi-mergulhado no sono, respondi-lhe que não, que decerto era sábado. Furioso, desligou-me respondendo entre dentes que eu estava a gozar com ele.


Não, não gozo com ninguém. É certo que, com o lento escoar do tempo, aqueles que têm o dever de ficar confinados nos seus lares, vão gradualmente entrando numa nova toada temporal e distintos hábitos. Por mais que tentemos manter as rotinas, ao acordar à velha hora de sempre, muito cedo, perguntamo-nos: Para quê sair já da cama, se não tenho para onde ir?

Outros, “rueiros” por feitio, ou como dizia uma amiga “rabo-alçados”, começam a ficar irritadiços e até em estado pré depressivo. Todos temos a TV, agora com a telescola para reaprendermos alguma matéria mais esquecida. Os briefings da DGS para nos descansarem por mais 24 horas. Os comentadores do tudo e nada, estilo Júdice e Marques Mendes para nos alertarem para a verdade que é só deles, uma espécie de coutada pessoal ultramontana onde, além dos silvanos e faunos, há princesas, lobos-maus e príncipes montados em alvacentos unicórnios.

E porém, não satisfeito, o Compadre Zacarias remói o drama de lhe faltar o futebol e as horas a esmo a ouvir treinadores, jogadores e comentadores do chuto. Depois, em perda, toma cafés sobre cafés que o põem num estado de sobre-excitação tal que, quando dá conta está a discutir acaloradamente com o gato Bonifácio, chegado há uma década de um romance do Eça de Queirós.

De seguida vai para o Facebook trocar impressões do “dantes é que era bom” com três octogenárias de Cascais e uma salamantina donairosa que anda há uma década à procura das castanholas. Mas ainda assim, com tanta distracção, deprime-se a cada dia que passa…

Perante toda esta nova ordem ou velha desordem, neste contexto do desejável confinamento, ocorrem-me grandes fugitivos de presídios e compreendo-os melhor…

John Dillinger, Jack Sheppard, Ronald Biggs, ladrões de alto gabarito que não tinham o que roubar nas prisões de alta segurança onde estavam detidos para três vidas ou mais, dependendo da má disposição dos juízes da época.

Mas lembro também e à parte de toda a rábula e políticas Nelson Mandela, 27 anos encarcerado na África do Sul, pelo seu activismo político contra o regime segregacionista do Apartheid. Solitário, passou por torturas, humilhações, pressões e tudo o mais quanto possamos imaginar. Foi libertado em 1990, recebeu o Prémio Nobel da Paz em 1993 e foi eleito presidente da África do Sul em 1994.

Um exemplo de resistência…
Bom, já agora, aproveito para recomendar o filme “Invictus”, tributo a Mandela, realizado por Clint Eastwood em 2010, tendo o actor Morgan Freeman no papel principal. É um bom lenimento para os “reclusos” de 30 dias…

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