A bota e a perdigota do sr. Putin

Afinal, se os próprios russos fogem do seu país, os habitantes de Kherson, Zaporíjia e Donetsk querem, a todo o transe, tornar-se russos? O que é que nesta evidência factual não bate certo com as palavras do “czar”?

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  • 11:40 | Quarta-feira, 28 de Setembro de 2022
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Segundo o Kremlin fez saber, mais de 90% dos habitantes de Kherson, Zaporíjia e Donetsk, na Ucrânia, votaram sim à anexação à Rússia.

Ao que tudo indica, uma vitória unanimista, no puro estilo norte coreano. Kim Jong-un não conseguiria melhor…

Se o ocidente considera a decisão do referendo sob as armas, se os relatos são consensuais acerca da farsa que representam, se esta “palhaçada” serve como argumento à Rússia para anexar pela fraude do voto o que não conseguiu fazer pela força das armas, tal é mais um capítulo desta guerra também retórica, onde se tenta ganhar terreno com a adulteração da verdade, numa vil apropriação semântica do discurso raramente vista.

Evidentemente que a “narrativa” russa, implementada a censura no país, é um falar para dentro com o fim de justificar o injustificável, com pérolas deste teor; “”salvar as pessoas dos territórios onde os referendos estão a ocorrer, é esse o principal objetivo da nossa sociedade e do nosso país.”, Putin dixit.


E porém, o culminar do absurdo e da antítese entre as palavras e os factos, evidencia-se pelo maciço êxodo de russos que, às centenas de milhares, tentam fugir da Rússia na sequência do recrutamento militar decretado por Putin.

Afinal, se os próprios russos fogem do seu país, os habitantes de Kherson, Zaporíjia e Donetsk querem, a todo o transe, tornar-se russos? O que é que nesta evidência factual não bate certo com as palavras do “czar”?

Deixo aqui o poema de Boris Vian, “Le Déserteur” (1954), o qual, pela sua actualidade, podia muito bem ser dirigido a Vladimir Putin…

 

Monsieur le Président

Je vous fais une lettre

Que vous lirez peut-être

Si vous avez le temps

 

Je viens de recevoir

 Mes papiers militaires

 Pour partir à la guerre

 Avant mercredi soir

Monsieur le Président

Je ne veux pas la faire

Je ne suis pas sur terre

Pour tuer des pauvres gens

C’est pas pour vous fâcher

II faut que je vous dise

Ma décision est prise

Je m’en vais déserter.

Depuis que je suis né

J’ai vu mourir mon père

J’ai vu partir mes frères

 Et pleurer mes enfants

Ma mère a tant souffert

Qu’elle est dedans sa tombe

Et se moque des bombes

Et se moque des vers

Quand j’étais prisonnier

On m’a volé ma femme

On m’a volé mon âme

Et tout mon cher passé

Demain de bon matin

Je fermerai ma porte

Au nez des années mortes

J’irai sur les chemins

Je mendierai ma vie

Sur les routes de France

De Bretagne en Provence

Et je dirai aux gens

Refusez d’obéir

Refusez de la faire

N’allez pas à la guerre

Refusez de partir.

S’il faut donner son sang

Allez donner le vôtre

Vous êtes bon apôtre

Monsieur le Président.

Si vous me poursuivez

Prévenez vos gendarmes

Que je n’aurai pas d’armes

Et qu’ils pourront tirer.

Podem ouvir aqui

https://music.youtube.com/watch?v=gjndTXyk3mw

(Fotos DR)

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