“O trio cabalístico”

  Os meados do século XIX deram-nos uma França de fausto artístico, nomeadamente na pintura e na literatura. Entre muitos escritores havia um trio composto por Honoré de Balzac, Téophile Gautier e Gérard de Nerval considerado por muitos contemporâneos e seus amigos como “o trio cabalístico”. Tendo lido grande parte das suas obras, ou pelo […]

  • 20:06 | Segunda-feira, 31 de Março de 2014
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Os meados do século XIX deram-nos uma França de fausto artístico, nomeadamente na pintura e na literatura. Entre muitos escritores havia um trio composto por Honoré de Balzac, Téophile Gautier e Gérard de Nerval considerado por muitos contemporâneos e seus amigos como “o trio cabalístico”.
Tendo lido grande parte das suas obras, ou pelo menos as mais representativas, Eugènie Grandet, Le Père Goriot, Le Capitaine Fracasse, Les Filles du Feu… nunca consegui perceber a cabalística avocada, no seu esoterismo e ocultismo.
Como “tarde é o que nunca vem”, soube-o hoje e pela leitura de “Os Níveis de Vida”, de Julian Barnes (Quetzal).
Afinal era uma denominação irónica concedida por Nadar – cujo nome lionês era Tournachon, depois Tournadar numa rebaptização afectiva dos seus amigos e finalmente Nadar, homem da escrita, inventor, balonista, caricaturista, mas passado à História pelo seu pioneirismo no domínio então incipiente da fotografia.
E a “coisa” explica-se assim: “a fotografia parecia ameaçar muito mais que o amour propre do modelo. Não eram só os habitantes da floresta que temiam que a câmara lhes roubasse a alma. Nadar recordara que Balzac tinha uma teoria do eu, segundo a qual a essência de uma pessoa era formada por uma série quase infinita de camadas espectrais sobrepostas, umas sobre as outras. O romancista acreditava ainda que, durante a ‘operação Daguerre’, uma dessas camadas era retirada e fixada pelo instrumento mágico. Nadar não se lembrava se, supostamente, essa camada se perderia para sempre ou se poderia haver regeneração; sugeria contudo, impertinente, que ao contrário da maioria e dada a sua corpulência, Balzac não tinha a recear que algumas camadas espectrais lhe fossem retiradas.”
Hoje, pouco mais de um século passado, sorrimos desta “inocência” e percebemos melhor a grande revolução tecnológica e de mentalidades vivida. Balzac foi um dos maiores escritores franceses do século XIX. A ele se devem os milhares de páginas de uma “comédie humaine” que elevaram alto a cultura gaulesa. E porém, com Gautier e Nerval, partilhava seriamente desta teoria que hoje já não vislumbramos nem na selva mais recôndita do globo.
O “trio cabalístico” era afinal uma blague de Nadar, esse inventor inquieto, ruivo, desengonçado e genial fotógrafo.
Et voilà!

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