Maria Cecília Correia empresta nome à escola do Massorim

Maria Cecília Correia é nome de escola. Desde Outubro do ano transacto que a escola do Massorim passou a tê-la como patrono. Cumpriam-se 100 anos sobre o seu nascimento.

  • 21:52 | Quarta-feira, 04 de Março de 2020
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Maria Cecília Correia é nome de escola. Desde Outubro do ano transacto que a escola do Massorim passou a tê-la como patrono. Cumpriam-se 100 anos sobre o seu nascimento.

Natural de Viseu, onde nasceu a 25 de Novembro de 1919, Maria Cecília passou a infância em Nelas, terminando os estudos liceais no Liceu de Setúbal. Em Lisboa, para onde se mudou, trabalhou nalguns escritórios, tendo publicado em 1943, na revista Papagaio e sob pseudónimo, o seu primeiro conto para a infância. O casamento levou-a até Luanda, onde viveu nas décadas de 40 e 50 do século passado. No jornal Província de Angola, ainda sob pseudónimo, divulgou a poesia que ia escrevendo, num entrecruzar da vivência africana com as saudades de Lisboa. Foi em Angola que iniciou correspondência com o poeta açoriano Armando Côrtes-Rodrigues, com o poeta e ensaísta José Osório de Oliveira, filho da mangualdense Ana de Castro Osório e com a poetisa brasileira Cecília Meireles, que a incentivaram a continuar o seu processo de escrita, pelo que, em 1949, publicava na revista luso-brasileira Atlântico e em nome próprio, três poemas: «Tu», «Canção» e «Jardim sem ninguém».

Em 1953, Maria Cecília estreou-se com um livro de contos para a infância, «Histórias da Minha Rua»., ilustrado por Maria Keil, de quem era amiga. A obra foi galardoada com o prémio Maria Amália Vaz de Carvalho, atribuído pelo SNI. Sete anos mais tarde, já de volta a Portugal, deu à estampa um novo livro, «Histórias de Pretos e Brancos», também com desenhos de Maria Keil.


A maternidade de seis crianças afastou-a das lides literárias, a que voltou na década de setenta, depois do nascimento do primeiro neto. Tendo por companheiro na ilustração seu filho, António Cabral Castilho, publicou para a infância «Histórias do Ribeiro» e «O Coelho Nicolau» (1974), «Amor Perfeito» (1975), «O Besouro Amarelo» (1977). Em 1976, com «Pretérito Presente» deu a conhecer a sua poesia, prosa poética e alguma correspondência. A colecção Caracol da Plátano Editora, deu a lume as obras «Bom dia» (1977) e «Manhã no Jardim» (1982). Corria o ano de 1987 quando Maria Cecília publicava o seu último livro «Presença Viva».

Para além da sua obra literária, fundamentalmente virada para a infância, Maria Cecília teve uma intensa vida, desdobrando-se em conferência, em crónicas e contos publicados no jornal Diário Popular e nas revistas Modas e Bordados e Mulher, em programas de formação para professores, na promoção da literatura para a infância, sendo membro fundador da associação Amigos da Unicef. Foi próxima de filósofo Agostinho da Silva e da escritora Maria Eulália de Macedo, com quem trocou também uma vasta correspondência

Nos últimos anos de vida manteve um Diário em vários volumes, acabando por falecer no Restelo, em Lisboa, a 13 de Dezembro de 1993. Contava 74 anos.

E é com Março, um texto de Maria Cecília Correia, que termino a série de três apontamentos sobre três mulheres nascidas em Viseu – Maria Cecília Correia, Judith Teixeira e Beatriz Pinheiro

Março

Saio a porta e caminho na Primavera. Esbarra em mim como este vento forte e empurra-me num instante para mais além. Para o besouro no meio do roxo claro do rainúnculo, para o brilho das folhas das oliveiras que não param nos socalcos. E para a tranquila beleza do pessegueiro rosado, quase quieto no seu canto abrigado. As andorinhas gritam o que eu calo. E, por fim, o meu olhar cai no berço do bebé. Primavera, até ele a sente, como um animalzinho selvagem a espernear ao sol. Mãos tostadas e um ar feliz, a olhar as folhas das roseiras que lhe são tecto. E a adormecer aos poucos no meio de tudo isto, num ritmo de vida exacto, ainda que impossível a muitos. À minha volta um círculo de beleza: o freixo já coberto de folhas, as rosas que só agora desabrocham, o cheiro dos limoeiros.

E dois elos desta cadeia me levam à minha infância: as flores brancas que sempre vinham pela Páscoa, coroando a nossa alegria, e que aqui chegam mais cedo, e o nariz do meu bebé. Quem, senão eu, poderia achar beleza neste nariz grande e definido já? É que nele está uma linha de sangue, traço repetido em gerações, espalhado em tanto rosto que já só posso recordar com saudade… Que terá isto a ver com a Primavera? Nada, mas senti-lo hoje de novo, é mais uma alegria a juntar às outras.

O vento rumoreja forte mais além. Aqui a sua fúria abranda um pouco, nem sempre nos empurra. Com intervalos, deixa que o sol abrase. Mas o vento é dado a estes dias para os tornar mais vivos, para nos levantar no ar, como um avô levanta um neto pequeno e querido. Só na cidade pode aborrecer a sério, lá incomoda às vezes porque a nossa “rota” não o inclui. Lembro uma frase da Clara pequenina: “O vento, são os meus cabelos a abanar”. E os meus abanam também, porque são empurrados como cada uma destas folhas, igualmente vegetais.

Março de sol, de vento, de andorinhas. Sinto-me sem idade a olhar o berço, colocado como eu, no meio da Primavera, como se eu não fosse mãe, como se eu não fosse mais do que uma pequena parcela da renovação da Terra.

Pretérito Presente, 1976, p. 30

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