Dizer que foi um artigo do “Expresso” que o fez candidatar-se à presidência da República diz tudo sobre o perfil de Gouveia e Melo.
Errante, instável, impulsivo, um reactivo primário. E sobre o que o move. Uma zanga, uma menorização, um supor, uma desconfiança, pariram um candidato.
Calhasse darem-lhe importância e confiarem-lhe poder, e é legítimo pensar que o almirante se quedaria pelo conforto das medalhas e pelo aprumo das formaturas, olhando o país da amurada, protegido pelo lustroso camuflado que tanto gosta de exibir.
Com o que escreve, parece ter andado a reboque dos acontecimentos, à distância de um convite tentador, quiçá de mais recursos para construir um brilharete. Há detalhes que revelam tudo: propósitos, intenções, estados de alma. “Fiquei mesmo danado“, sendo expressão deselegante na boca de um protagonista político, com travo a termo de caserna, não é razão, não pode ser motivo.
Chamado a esclarecer, ficou nas covas. Não clarificou. Para o almirante, parece que tudo se resume a um desagrado, a um melindre, o bastante para tentar mostrar o que vale, do que é capaz, talvez um trauma o asfixie, e o projecte para o palco, que tanto aprecia, desde o tempo das vacinas, o Deus redentor.
O oficial a afastar meia-dúzia de insurrectos, retratado como o Hércules corajoso e indomável a enfrentar uma horda de grunhos. Teve uma epifania, e vai daí meteu-se a caminho, tipo tiraram-me o brinquedo, contrariaram-me, vou bater o pé e mostrar que já sou crescido. Aprendemos pouco com motivações assim.
Esperar-se-ia um alcance extra, que acrescentasse, que trouxesse uma nova energia, que rasgasse as nuvens, que trouxesse tempo bom e fizesse o milagre do Sol. Algo que desencadeasse uma reacção e nos retirasse deste torpor que nos adormece.
Um candidato a PR deve ter um desígnio, mover-se por inspirações, ter ideias, projectos, sonhos. Uma visão do país e uma missão a cumprir. Era suposto que respondesse a um chamamento, a um impulso. Nada disso o terá motivado, ao que parece. Nada disso se vislumbra no que escreveu e no que diz, desajeitado e entorpecido. Um candidato verosímil não pode, não deve ir a jogo por ter percebido que, em algum momento, o queriam empurrar para a prateleira dourada de CEMGFA, lugar honorífico, na cumeada da carreira militar. Zangado, por lhe quererem dar importância, sem lhe darem poder, que, a crer no que escreve, tanto almeja.
Parece legítimo concluir-se que não o move a convicção de poder ser útil ao país, de ser diferente, de ser galvanizador, construtor de um paradigma inovador, ousado. O gatilho foi intuir que ao estatuto não correspondia o mando. Motivo bastante? Não. Esta razão é redutora, e, não sendo verdadeira, pode esconder o que devia ser transparente.
Ou há algo mal explicado nesta narrativa – às vezes, acontece – ou as razões são mesquinhas, acanhadas, infelizes. Um candidato à mais alta magistratura da nação não pode aduzir motivos vulgares, corriqueiros, básicos. Importa que tenha motivações nobres, distintivas, superiores. Não pode deixar arrastar-se pela intriga, fica-lhe mal, é destruidor da sua imagem. E sabe a aventura. Quem quer ombrear com adversários tarimbados nas caminhadas políticas não pode dar-se a estes desastres.
Afinal de contas, o que parece ter contado foi um revés pessoal. Não tivesse ele acontecido e vê-lo-íamos no Alfeite, agarrado às traineiras, avaliando as marés.
A verve, pobre e arrastada, uma ladainha em dia de chuva, uma litania dos indolentes, e a dicção fraca, a voz entaramelada também não ajudam. Já vi candidatos a condomínios e a cooperativas vinícolas com jeitos e maneiras mais substantivos.
Uma candidatura, justificada assim, é precária, frágil, devoluta. Para não levar a sério.