Elvas destrói sítio arqueológico para construir habitação social

O Instituto Português do Património Cultural considera a situação uma violação clara das normas de preservação mas isso pouco importa perante o imperativo da construção rápida. O que vemos é um progresso imediato que atropela o passado e, no fundo, quem sofre é a identidade da cidade.

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  • 13:01 | Terça-feira, 23 de Setembro de 2025
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Elvas, cidade património mundial, voltou a ser notícia por motivos que deviam envergonhar qualquer responsável.

A Câmara Municipal decidiu avançar com um conjunto habitacional de 87 fogos na Quinta de Santo António na freguesia da Terrugem e não se deu ao trabalho de respeitar que o local é arqueologicamente relevante. Vestígios de ocupação romana, incluindo uma colher de prata do século VI com inscrição paleocristã, foram literalmente enterrados em nome da urgência habitacional.

Habitação social é sempre necessária e importante mas a questão é óbvia. Porque tinha de ser exatamente naquele sítio? Existiam alternativas que não implicavam destruir séculos de memória colectiva. A Câmara fala em urgência e necessidade devido à queda populacional mas esquece-se de que história perdida nunca mais volta. Cada escavadora a avançar sobre aquele terreno apaga capítulos da nossa civilização e compromete a credibilidade de Elvas como cidade património mundial.

O Instituto Português do Património Cultural considera a situação uma violação clara das normas de preservação mas isso pouco importa perante o imperativo da construção rápida. O que vemos é um progresso imediato que atropela o passado e, no fundo, quem sofre é a identidade da cidade.


Como historiador, não posso permanecer indiferente. Cada sítio destruído sem estudo arqueológico é uma lição que não poderemos ensinar às gerações futuras. Conhecer o passado não é um luxo, é uma obrigação cívica e cultural. Ver séculos de história serem sacrificados em nome da urgência habitacional é revoltante e demonstra uma visão curta e imediatista daquilo que deve ser prioridade numa cidade que se orgulha do seu património.

É urgente repensar a forma como se concilia desenvolvimento com preservação. Construir é necessário mas não pode significar apagar a memória colectiva. Se Elvas perder estes vestígios, perderá mais do que casas, perderá a sua alma histórica.

(Foto DR)

 

Paulo Freitas do Amaral

Professor, Historiador e Autor

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