A Tapada das Necessidades é um lugar que carrega consigo a memória da própria cidade de Lisboa. Mandada erguer no século XVIII, serviu de complemento ao Palácio das Necessidades, residência régia e mais tarde casa da diplomacia portuguesa. Ali reuniam-se espécies vindas de diferentes continentes, trazidas em viagens que cruzavam oceanos e que traduziam o alcance da presença portuguesa no mundo. O jardim foi também palco de experiências botânicas e de momentos de lazer, um espaço onde a ciência e a contemplação se encontravam.
Entre os recantos mais notáveis do jardim encontra-se o Lago da Estrela, inspirado em modelos italianos e ornamentado com esculturas, que em tempos foi cenário de passeios régios e encontros sociais. A Estufa Real, inaugurada no século XIX, chegou a acolher coleções raras de cactos e suculentas vindas da América, tornando-se referência europeia no estudo destas plantas. A própria rede de aquedutos e fontes que ainda resiste testemunha a sofisticação técnica e estética do projeto original.
Também a vida política do país passou pelas suas alamedas. D. Maria II e D. Fernando II escolheram o palácio e o jardim como residência de predileção, transformando o espaço numa corte secundária, mais íntima e recolhida. Já no século XX, o jardim foi aberto ao público, permitindo que gerações de lisboetas conhecessem de perto um património que unia história e natureza. O estado de abandono atual contrasta de forma gritante com esse passado vibrante.
A Tapada das Necessidades guardava ainda curiosidades notáveis sobre a fauna e a flora. Pássaros exóticos, como papagaios e pavões, perambulavam livremente pelos caminhos e árvores centenárias. Alguns exemplares vegetais, raros na Europa, foram trazidos das colónias portuguesas e criavam paisagens únicas, capazes de surpreender qualquer visitante com cores, aromas e formas desconhecidas.
Documentos antigos mencionam estufas dedicadas a orquídeas vindas do Brasil e de Angola, algumas com espécies que hoje já são raras mesmo em coleções botânicas especializadas. A Tapada funcionava assim como um verdadeiro viveiro experimental, onde se estudavam técnicas de aclimatação de plantas e a interação entre espécies locais e exóticas, um esforço científico que permanecia invisível ao público, mas que marcava a importância do jardim no contexto europeu.
O que hoje se encontra contrasta com essa grandeza. Lagos secos, estufas destruídas e muros gastos revelam a ausência de cuidado. A vegetação cresce sem ordem, apagando lentamente a geometria e a harmonia que em tempos definiram o jardim. O silêncio que domina as alamedas é o de um lugar esquecido, como se Lisboa tivesse virado as costas a uma das suas paisagens mais significativas.
A degradação material corresponde a uma perda de memória. Um jardim não é apenas um espaço verde. É um arquivo vivo onde se inscrevem escolhas culturais, políticas e sociais. Deixar a Tapada das Necessidades entregue ao abandono significa empobrecer a cidade e condená-la a esquecer parte da sua identidade.
A capital que se promove como moderna e europeia não pode permitir que os seus espaços históricos desapareçam por negligência. A pressa em construir novos projetos contrasta com a lentidão em preservar aquilo que já existe. Lisboa precisa de mais do que inaugurações rápidas e obras de ocasião. Precisa de cuidar do que herdou.
O futuro da Tapada das Necessidades exige vontade e investimento. A recuperação do jardim não é apenas uma questão de estética. É sobretudo um ato de respeito pela memória coletiva e pela dignidade de um património que pertence a todos.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor