Não há nada mais inseguro do que ser pobre

Não adjetivarei a intervenção do Município de Loures, não pretendo julgar quem quer que seja, porque os autarcas têm, nas suas mãos, em muitos territórios, autênticas bombas relógio, consequência do desinvestimento, durante décadas, na habitação social.

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  • 12:30 | Domingo, 20 de Julho de 2025
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“Crês que ser pobre é não ter / pão ou carne na mesa? / mas é pior não saber / suportar essa pobreza!”

 


A quadra de António Aleixo (Este Livro Que Vos Deixo, 1969) é uma boa metáfora para enquadrar os tempos que vivemos. A pobreza é insuportável! Ninguém quer pobres por perto. Em Portugal, são necessárias quatro gerações para mudar de condição e passar, se correr tudo bem, de miserável a pobre, de pobre a remediado, de remediado a classe média, de classe média a classe média alta…

É caricato dizer-se que o senhor presidente a Câmara de Loures, com a sua intervenção de desmantelamento de um bairro de habitação precária, leia-se de barracas, colocou as pessoas em situação de sem-abrigo. Não, não colocou! As famílias do bairro do Talude já se encontravam em situação de sem-abrigo. Passaram, após a ação musculada das forças de segurança e da força adamastoriana das retroescavadoras de Sem Teto (a chapa não conta) a Sem Casa. Talvez seja importante clarificar o conceito de Pessoa em Situação de Sem Abrigo. Considera-se, na Resolução do Conselho de Ministros nº107/2017, de 25 de julho, PESSOA EM SITUAÇÃO DE SEM-ABRIGO aquela que, independentemente da sua nacionalidade, origem racial ou étnica, religião, idade, sexo, orientação sexual, condição socioeconómica e condição de saúde física e mental, se encontre:

SEM TETO, vivendo no espaço público, alojada em abrigo de emergência ou com paradeiro em local precário. Espaço público – espaços de utilização pública como jardins, estações de metro/camionagem, paragens de autocarro, estacionamentos, passeios, viadutos, pontes ou outros. Abrigo de emergência – qualquer equipamento que acolha, de imediato, gratuitamente e por períodos de curta duração, pessoas que não tenham acesso a outro local de pernoita. Local precário – local que, devido às condições em que se encontra permita uma utilização pública, tais como: carros abandonados, vãos de escada, entradas de prédios, fábricas e prédios abandonados, casas abandonadas ou outros.

SEM CASA, encontrando-se em alojamento temporário destinado para o efeito, equipamento que acolha pessoas que não tenham acesso a um alojamento permanente e que promova a sua inserção. Corresponde, por exemplo, à resposta social da nomenclatura da Segurança Social ou outras de natureza similar, designada por Centro de Alojamento Temporário: “resposta social, desenvolvida em equipamento, que visa o acolhimento, por um período de tempo limitado, de pessoas adultas em situação de carência, tendo em vista o encaminhamento para a resposta social mais adequada.”. Exemplos: albergues, onde a pernoita é limitada; apartamentos de transição; pensões ou quartos pagos pelos serviços sociais.

Não adjetivarei a intervenção do Município de Loures, não pretendo julgar quem quer que seja, porque os autarcas têm, nas suas mãos, em muitos territórios, autênticas bombas relógio, consequência do desinvestimento, durante décadas, na habitação social.

Cinjo-me aos factos, 51 famílias, incluindo 62 crianças, deixaram de estar num local precário para ocuparem o espaço público. Faz mais sentido intervir, para melhorar as condições de vida nestes bairros, do que eliminá-los, quando não há alternativas dignas desse nome. Se queremos começar a resolver este grave problema, temos que ir à raiz, à pobreza estrutural que leva à precariedade habitacional. Muitas destas pessoas são triplamente vítimas: são alvos de preconceito, aguardam ad nauseam pela regularização e o preço da habitação impossibilita-as de fazer qualquer contrato de arrendamento.

O problema da habitação não é passível de ser solucionado unicamente pelos municípios. O Estado central não pode ser um mero espectador do drama que flagela famílias com crianças. A solução não pode passar por colocar o roto contra o esfarrapado, sugerindo que há indigentes “chico-espertos” que usam de manha para passar a perna a outros que cumprem as regras e aguardam ordeiramente pela sua solução.

Entretanto, se nos quisermos abstrair da vida real, olhamos para a Casa da Democracia, onde há duelos decisivos para o país, urge apurar se é mais grave ser apelidado “frouxo” ou “fanfarrão”. Não é isto que esperamos de quem nos representa, quando temos crianças a viver ao relento.

O Instituto de Apoio à Criança (IAC) pediu alojamento urgente após as demolições em Loures. Que ações já realizou a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) de Loures, uma vez que, como defende o IAC, estas “situações afetam diretamente o bem-estar, segurança e oportunidades de desenvolvimento destas crianças”?

A habitação já sabemos que não está assegurada!

A alimentação, a educação, o acesso à saúde e aos apoios sociais estão garantidos?

É expectável que uma pessoa em situação de ilegalidade recorra, mesmo que para satisfazer as necessidades básicas, aos serviços públicos?

Poderá o medo da “mão do Estado”, foram anunciados milhares de expulsões, tolher-lhes a ação e remetê-los para a invisibilidade da clandestinidade crónica?

O medo é um sentimento perigoso que aduba o deslaçamento social. 

 

José Carreira

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