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Aquilino, Trotsky e Lenine – Um episódio pitoresco

-- Exactamente. – Sabe quem eram aqueles dois homens? Um era Trotsky, o outro Lénine!”

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    • 17:06 | Quarta-feira, 10 de Março de 2021
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    Por meados da década de 50, Luís de Oliveira Guimarães publicou “Aquilino Ribeiro – Através do seu ex-libris”.

    Este livrinho de 70 páginas divide-se em quatro partes. A saber:


    “Palavras de Aquilino Ribeiro”;

    “O Homem e o ex-libris”;

    “Aquilino”;

    “Confidências”.

    Nesta última parte, o autor entrevista o escritor o qual responde às questões, de forma original, distanciado, na 3ª pessoa do singular. Ou seja, Aquilino fala pelo escritor – “ele”.

    Exemplo:

    “– Há quantos anos conhece Aquilino Ribeiro?

    — Há muitos anos. Somos patrícios. Nascemos ambos em plena Beira Alta, nessa pequena parte da planura castelhana, que entra por Portugal dentro. Tudo aquilo, tempestades de penedos suspensos de morros e encostas; plainos desolados em que cresce uma rabugem de mato; pinheiros vergados para nascente como hordas em marcha; solo sáfaro e condenado a dar fruto terra onde os medos andam à solta e as ruínas guerreiras e monásticas ensombram a cada passo os horizontes; brutalidade e melancolia, riqueza e desespero, perspectivas abstractas e um sentido concreto da vida – eis a Beira em que ele e eu nascemos. A serra tem sido para ele como a terra mater para Anteu. Vai lá revigorar a alma e o corpo. Por ali sopra sempre o vento da liberdade que Aquilino tanto ama. E como ele ali nasceu e ali cresceu, de lá trouxe a comparsaria rústica das suas novelas e romances.”

     

    Mas o que me trouxe hoje a esta releitura foi um episódio que Aquilino descreve e em resposta à pergunta:

    “– Qual a maior surpresa que terá tido Aquilino na sua vida?

    — Não sei bem. Talvez a daquela tarde, em Paris, em que Leal da Câmara, já caricaturista afamado da ‘Assiette au beurre’, encontrando-o lhe disse:

    — Venha daí comigo à Rua D’Assas…

    — Fazer o quê?

    — Depois verá.

    Na Rua D’Assas subiram a um segundo andar, bateram à porta e penetraram num quarto forrado a papel descolorido, com duas janelas de que pendiam desmanchadamente reposteiros de velho crepe. A um canto, acocorado no chão, um homem de barba negra escrevia em cima de uma mala. Outro estava sentado a uma mesa de casquinha e escrevia também.

    — Vi o croquis – disse o homem da barba negra, suspendendo a escrita e fitando Leal da Câmara. – Não desgostei. O tema pode ser este: o Czar, metido no gabinardo de Hamlet, a filosofar com a caveira de um mujique…

    — Foi assim que Leal da Câmara desenhou o célebre perfil de Nicolau II que, em Paris, se vendia litografado…

    — Exactamente. – Sabe quem eram aqueles dois homens? Um era Trotsky, o outro Lénine!”

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