Vêm aí dias piores

A violência e a agressividade começaram a fazer parte do dia-a-dia, realidade que parece fingirmos ignorar. Não é só a xenofobia, é a violência do género, é o abuso sexual, é o destrato doméstico, é a agressividade gratuita.

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  • 16:23 | Segunda-feira, 06 de Fevereiro de 2023
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A brutal agressão a um nepalês em Olhão repugna-me, mas não me surpreende, horroriza-me, mas não é novidade. Há casos precedentes, e bem recentes.

Somos uma sociedade construída sobre pilares de madeira tosca, insuficientes para suportar o peso de 10 milhões de nós, todos bem diferentes uns dos outros.

A indisciplina grassa nas escolas, negá-lo é ser como a avestruz que enterra a cabeça na areia, os professores perderam autoridade, os jovens saem a dominar conteúdos, mas com poucas bússolas e faróis, as famílias desestruturaram-se, arrastadas pelos efeitos do desemprego e da perda consecutiva de rendimentos, e desapegaram-se da missão educadora, os jovens são uma geração frustrada, sem perspectivas de trabalho, de estabilidade, de casa própria, que encontra guarida e conforto no estrangeiro, para onde emigra, e de onde não quer voltar. As sucessivas crises levaram-lhes quase tudo, trabalho, casa, bem-estar e paz. Lembremo-nos que é pior perder depois de ter do que nunca ter. É humilhante e leva à rebelião. Em muitos dos que ficam, germina a semente da revolta, do descontentamento e da desconfiança, mergulhados no vício e na cobiça, necessidades que a ambição lhes oferece de bandeja.


Os valores da esfera virtual, deslaçados, sobrepuseram-se aos princípios da vida social, baseada na convivialidade física e próxima, e transtornaram muitas cabeças. Vemo-nos, mas não nos conhecemos, cruzamo-nos, mas ignoramo-nos. Perdeu-se a proximidade, a cumplicidade, a boa vizinhança. A informação excedeu a formação, o mundo, sem centro, tornou-se mais perto de tudo e de todos. Para o bem e para o mal.

As relações pessoais descaracterizaram-se, os actores desumanizaram-se, entregues aos ditames do materialismo e do egoísmo, do salve-se quem puder. A falência das soluções geradas pela democracia, o compadrio, a desresponsabilização, a corrupção, o amiguismo, esgotaram a paciência dos cidadãos e estão, desgraçadamente, a conduzi-los para uma simpatia pelos extremos, que esfregam as mãos de contentes e felizardos, dispostos a aconchegá-los num abraço de Judas.

Nada desta barbárie acontece do nada, e surge do acaso. Há raízes sociológicas profundas, facilmente identificáveis. Precisa-se que, quem de direito, atalhe caminho, estrangule os desvios, e não se fique por lamúrias e choros e discursos eloquentes, brandindo a bandeira dos Direitos Humanos e vergastando a xenofobia, o racismo e os maus-tratos.

A violência e a agressividade começaram a fazer parte do dia-a-dia, realidade que parece fingirmos ignorar. Não é só a xenofobia, é a violência do género, é o abuso sexual, é o destrato doméstico, é a agressividade gratuita.

Os portugueses estão zangados, andam zangados, mas não é de agora, já vem do tempo em que surgiram as dificuldades económicas e a penúria tomou conta dos mais frágeis, sem que a democracia criasse instrumentos que permitissem tornear o flagelo, exponenciado com a globalização e a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais.

Se nada se fizer de estrutural, piores dias virão. Que se puna severamente, mas que se abra caminho para outra sociedade. Chega de laxismo, de arrogância, de maus hábitos, de prioridades invertidas.

Que na agenda política prevaleça o interesse nacional, ao invés de pistas próprias, rivalidades, objectivos pessoais.

O regime, bem instalado, está a cozer o caldo, onde os extremos haverão de florescer. Por outras palavras, estamos a entregar o ouro ao bandido.

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Publicado em Opinião