Quando perguntamos o motivo pelo qual são amarradas as pessoas, a resposta é invariavelmente a mesma, para evitar as quedas.
A 24 de junho, assinalou-se o Dia Mundial de Prevenção de Quedas. O Diário de Notícias (25/6/2025) fez uma excelente peça: “Três mil pessoas sofreram quedas em hospitais nos últimos cinco anos”. As quedas em hospitais têm vindo a aumentar de forma significativa. Os vários administradores hospitalares entrevistados mostraram-se preocupados com este assunto: “O tema é muito importante, desde logo para as pessoas, mas também para as organizações e, por isso, há uma crescente preocupação.” (Óscar Gaspar, Presidente da Associação Nacional da Hospitalização Privada) Ao longo da peça são apresentadas as principais causas que estão na origem das quedas: efeitos da medicação (sedativos, anti hipertensores, diuréticos…); cadeiras / camas desajustadas; pisos escorregadios; obstáculos; falta de recursos humanos; iluminação insuficiente; fraqueza muscular, tonturas, AVC… São indicadas algumas medidas focadas na prevenção e na formação: “Temos a avaliação do risco de todos os utentes internados. Depois temos intervenções na estrutura, como iluminação adequada, e eliminação de obstáculos, campainhas ao alcance do utente, calçado antiderrapante, ajusta da altura da cama, supervisão no levante e autocuidado. A ULS aposta ainda em medidas complementares, na formação continua dos profissionais, utentes e familiares na revisão periódica da medicação, para minimizar riscos, em programas precoces de exercício.”
NOTA IMPORTANTE: Em momento algum, os administradores referem a contenção – física ou farmacológica – como uma medida utilizada para evitar as quedas.
O que estará, então, na origem de 30% de pessoas idosas contidas fisicamente em contexto hospitalar? Ao não mencionarem esta prática arcaica, desajustada, perigosa e atentatória dos direitos humanos, significará que têm consciência que a mesma não é tolerável no cuidado humanizado e procuram mantê-la invisível? Aproveito para sugerir a leitura do artigo “A violência que escolhemos não ver” da enfermeira Carmen Garcia, no Público (22/6/2025), autora da petição contra a contenção física dos idosos. “Amarrar pessoas que se encontram em lares ou hospitais tornou-se “tão comum” que deixou de parecer algo errado, mas estão em causa a dignidade e os direitos dos mais velhos.”
“Aconteceu que para validarmos uma prática medieval que nos causa desconforto, decidimos enganar-nos a nós próprios passando a «acreditar» que amarramos alguém por um bem maior. É uma pena que esse bem maior, de facto, não exista.”
A médica geriatra Maisa Kairalla considera que o tema das quedas tem que sair da invisibilidade e fazer parte do debate sobre envelhecimento saudável. Dá algumas sugestões do que fazer para as prevenir:
– Fortalecer o corpo: exercícios de força, equilíbrio e alongamento são fundamentais para manter a estabilidade e a coordenação.
– Fazer a revisão regular dos medicamentos: muitos idosos usam remédios que podem causar tontura ou sonolência. Ajustar as doses ou substituir pode reduzir o risco.
– Cuidar da visão e audição: problemas sensoriais podem atrapalhar o equilíbrio. Consultas regulares com oftalmologista e otorrino fazem parte da prevenção.
– Adequar a casa: instalar barras de apoio, melhorar a iluminação, retirar tapetes soltos e organizar os móveis para facilitar a circulação.
– Avaliar o risco de queda: um acompanhamento com o geriatra pode identificar os principais fatores de risco e personalizar as orientações para cada pessoa.
Em momento algum é sugerida, como medida para prevenir / evitar as quedas, a contenção das pessoas.
No nosso pais, os dados existentes são escassos. Muito provavelmente, os 30% indicados, para ambiente hospitalar, estarão aquém da realidade. Relativamente aos lares para pessoas idosas, não são conhecidos estudos que nos digam quantas pessoas são contidas, quem as contém, quem decide conter, porque razão as pessoas são contidas e quais as consequências desta prática. São muitas as zonas cinzentas que potenciam os abusos, a negligência e os maus tratos. Existe, do ponto de vista legal, apenas uma Recomendação da DGS sobre o tema. Em 2020 foi realizado o estudo “Contenção Mecânica: Perceção dos Enfermeiros”, publicado na Revista de Investigação & Inovação em Saúde que concluiu que mais de metade dos enfermeiros não conhece a orientação da Direção Geral de Saúde relativa à contenção de pessoas e poucos têm formação específica, embora a pratiquem com frequência e sem intercorrências.
Até quando será mantida esta prática violenta que extermina a dignidade e atenta contra os direitos fundamentais do ser humano?