Senhores dirigentes, assim não!

A tentação de encontrar responsáveis e julgá-los na praça pública não permitirá que nos tornemos melhores, mais unidos e mais fortes. Pelo contrário, estaremos cada vez mais débeis em questões éticas e menos capazes de desenvolver o desejável e urgente pacto de cuidados e estimular a solidariedade entre gerações e organizações.

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  • 13:27 | Sábado, 15 de Agosto de 2020
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Na última Assembleia Geral da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), foi apresentado e aprovado, por unanimidade, um voto de protesto pela desconsideração pública das IPSS, tendo em linha de conta as declarações de representantes da Ordem dos Advogados e dos Enfermeiros a propósito da resposta das instituições à pandemia que afeta a humanidade. SUBSCREVO!  

Se observarmos a realidade vivida em países como a Suécia, a França, o Canadá, os Estados Unidos ou a vizinha Espanha, não será difícil, a quem estiver de boa-fé, concluir que, apesar das muitas dificuldades que sentimos em Portugal, as instituições sociais estão de parabéns pela resposta de qualidade que deram aos múltiplos desafios colocados pelo coronavírus. Portugal é apontado, com justiça, como um modelo na resposta à pandemia, fruto do trabalho de muitas organizações e do esforço de cada cidadão no cumprimento das orientações que visam mitigar os riscos de contágio.

Não tenho dúvidas de que estas organizações sociais deram contributos fulcrais ainda que não estejam isentas de crítica e que possam e devam ver melhoradas as suas práticas e a gestão na resposta à crise sanitária.

Esta semana, fomos confrontados pelo eco do populismo de mais um dirigente associativo. O senhor Presidente da Associação Nacional de Gerontologia Social, Dr. Ricardo Pocinho, em entrevista à SIC Notícias, decidiu corporizar mais uma caça às bruxas, apontando uns como sendo os anjos imaculados e outros como os demónios.


Os demónios são os dirigentes associativos que rotula de incompetentes, desajustados às funções e os responsáveis por todos os problemas que a crise sanitária despoletou nas respostas de carácter iminentemente social que dirigem, especialmente nas Estruturas Residenciais Para as Pessoas Idosas (ERPI). Afirmou: “Não vejo ninguém responsabilizar os dirigentes das organizações sociais”. ASSIM NÃO!

Sendo este dirigente o representante de muitos gerontólogos que trabalham em organizações sociais, terá consciência de que mais não fez do que amplificar anátemas, difundindo mensagens negativas sobre os lares e omitindo o valioso trabalho que estas estruturas prestam no apoio às pessoas idosas?

A tentação de encontrar responsáveis e julgá-los na praça pública não permitirá que nos tornemos melhores, mais unidos e mais fortes. Pelo contrário, estaremos cada vez mais débeis em questões éticas e menos capazes de desenvolver o desejável e urgente pacto de cuidados e estimular a solidariedade entre gerações e organizações.
Assistimos a mais um ato falhado, por parte de um dirigente que se arroga de autoridade moral, competência e saber para se pronunciar sobre milhares de dirigentes (uns mais capacitados do que outros, como em todas os setores) que contribuem, além dos apoios diretos disponibilizados às sua comunidades, através das respostas sociais que gerem, para a coesão territorial ao serem responsáveis por milhares de empregos. Saberá que o peso relativo das contribuições da segurança social, tem vindo a diminuir nos últimos anos? Já se terá dado conta do impacto económico deste setor?

Não sejamos ingénuos, o terceiro setor não é um oásis, há problemas que estão identificados e carecem de intervenção na busca da melhoria contínua, de modo a oferecer os melhores serviços a todas e a cada pessoa, à comunidade. Devem ser desenhados e implementados processos de capacitação, adaptados à realidade de cada organização e respetivas equipas. Não me revejo e repudio veementemente estes discursos, desprovidos de sentido, que deixam adivinhar agendas ocultas que se sobrepõem à priorização do superior interesse da pessoa.
Devemos, todos nós, priorizar a análise e a autocrítica, algo que não ocorre. É mais simples realizar um exercício de “passa culpas” e assumir uma posição de alguma sobranceria, não se capacitando os atores para a tomada de decisões adequadas e atempadas, mitigando as consequências de putativas novas vagas.

A crise sanitária, provocada pelo coronavírus, trouxe à tona problemas que já existiam, desde questões ligadas ao idadismo, o estigma e a desvalorização da pessoa idosa; a desvalorização dos cuidados formais e informais prestados às pessoas mais fragilizadas e dependentes e a parca ou inexistente coordenação entre os setores social e da saúde.
Para nos capacitarmos e melhorarmos as intervenções multissetoriais devemos, isso sim, desenvolver um sistema de coordenação e integração social e sanitária. Um sistema que permita o acesso aos cuidados de saúde a todas as pessoas que vivem nos lares que são equipamentos sociais, lugares onde se vive e não um fim de linha. Os lares são recursos (humanos e materiais) para desenvolver projetos de vida plurais, facultando a possibilidade de se fazerem novas amizades, reativar ou iniciar atividades e interesses, contribuindo para o Envelhecimento Ativo e Saudável, potenciando as oportunidades de participação, saúde, segurança e aprendizagem ao longo da vida.

Muitas pessoas que vivem nos lares precisam de cuidados médicos, isso não significa que devamos medicalizar estas respostas sociais. Os cuidados de saúde devem ser prestados no e pelo Serviço Nacional de Saúde. Devem ser desenvolvidos esforços para garantir uma resposta integral e adequada ante uma possível nova vaga de Covid-19.

Com a participação de todos os agentes devem ser encetadas diligências para a criação de unidades de coordenação sociossanitária que supervisionem a prevenção, a identificação e a resposta aos novos casos que, segundo os especialistas, não deixarão de ocorrer tão depressa. Unidades que poderão, simultaneamente, contribuir para a necessária reconversão do modelo residencial para as pessoas idosas.

Faz sentido equacionar a (re) configuração de equipamentos mais pequenos – com a atenção muito centrada em cada pessoa, no seu projeto de vida, gostos, interesses e necessidades – que sejam estruturas para onde se vai viver e não para fenecer.

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Publicado em Opinião