Se Fernando Ruas ouvisse Josep Borrell, talvez não tolerasse em Viseu fábricas de armas de Israel

Se os líderes europeus ouvissem Borrell, Netanyahu não se sentiria impune para prosseguir o genocídio (60 mil mortos, a maioria mulheres e crianças, 70 crianças mortas à fome), apesar das acusações e dos mandados de captura de dois tribunais internacionais. Se Fernando Ruas ouvisse Borrell talvez se envergonhasse de apadrinhar negócios de armas com um país genocida.

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  • 15:31 | Quarta-feira, 16 de Julho de 2025
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No dia 31 de Maio, teve lugar na Aula Magna do IPV mais uma conferência “Beira”, sob o tema “As Múltiplas Crises da União Europeia”, que teve como orador principal o professor Josep Borrell, antigo Vice-Presidente da Comissão Europeia e ex Alto-Representante para as Relações Exteriores e Política de Segurança da UE.

Tive pena de não ter podido assistir, por me encontrar muito longe de Viseu, não só pelo tema deveras candente, mas também por ter vindo a seguir as críticas de Borrell à cumplicidade da Comissão Europeia e do Conselho Europeu com o genocídio em Gaza.

Procurei notícias sobre a Conferência. Encontrei no “Olho de Gato”, de Joaquim Alexandre Rodrigues, uma síntese dos quatro temas críticos para o futuro da Europa que preocupam Borrell: “Recuo na economia (a perder terreno para os EUA e a China);  o “inverno demográfico” e migrações; o atraso tecnológico das empresas europeias; e a falência ou duplicidade moral das lideranças europeias ao se preocuparem muito com os mortos na Ucrânia, mas nada com as muitas dezenas de milhares de mortos palestinianos. Este seria o ponto que mais me interessaria ouvir/ler desenvolvido.  Mas o meu amigo Alex preferiu dedicar a terceira parte da sua crónica àquilo a que chamou de “cena chalupa por gente do Bloco de Esquerda”: uma “mulher aos berros” vociferava enquanto outra filmava para as redes sociais”, numa interrupção da conferência que comparou com os grupos de extrema-direita que têm perturbado e boicotado sessões culturais como em alguns lançamentos de livros. E rematou: “(…) não foi atirada tinta contra ninguém. Do mal o menos”.


Depois de ter conseguido ver o vídeo da referida intervenção  nas redes sociais, não posso deixar de fazer os seguintes reparos: as duas mulheres não têm nada a ver com o Bloco de Esquerda. A que falou, fê-lo antes do período de perguntas do público, porque Fernando Ruas estava de saída e a questão também dizia respeito ao presidente da Câmara. Começou por falar num tom cordato, elogiando a intervenção de Borrell, e perguntou-lhe se ele concordava com a iniciativa do presidente da Câmara de Viseu, ao seu lado, de aceitar reunir com o embaixador de Israel e empresários israelitas para a instalação em Viseu de fábricas de armamento. Só levantou a voz para se fazer ouvir quando o moderador, o jornalista Henrique Monteiro, tentou interrompê-la e calá-la, e por fim invectivou-a a colocar a questão a Fernando Ruas, na rua (para que ninguém ouvisse!).

Conheço a Rita Pinto e tenho imensa admiração pelo seu activismo quotidiano contra o genocídio do povo da Palestina e no apoio material a famílias palestinianas a passar fome. Mas o “extremo-centro” prefere comparar a luta contra um dos maiores genocídios do nosso tempo com a luta dos jovens ambientalistas que, face à inoperância criminosa dos governantes, lhes atiram com tinta para chamar a atenção para a “catástrofe climática” que ameaça o seu/ nosso futuro, uma vez que os líderes mundiais fazem orelhas moucas aos apelos do secretário-geral da ONU, Guterres, que os acusa de mentirem aos povos e nada fazerem para evitar o colapso da vida humana no planeta em “ebulição”.

Equiparar as acções de grupos de extrema-direita e neonazis que insultam, agridem e, por vezes, matam inocentes, à justa luta dos jovens pelo futuro da humanidade ou aos protestos contra o genocídio dos palestinianos sob a falsa acusação de “anti-semitismo” (expressão errónea uma vez que tanto hebreus como árabes têm origens culturais semitas), tem sido uma prática dos governos do Reino Unido, França e Alemanha, que praticam a censura nos “media”, perseguem e prendem cidadãos e ilegalizam organizações que se manifestam solidárias com a Palestina.

A Europa fasciza-se e rearma-se enquanto contemporiza e se torna cúmplice, por acção e omissão, do governo de extrema-direita de Israel, no Genocídio de palestinianos. Como alertou Cas Mudde, “O centro-direita legitimou a direita radical e extrema” (…) “não foi a direita radical que se moderou, foi o ‘mainstream’ [a direita e o centro hegemónicos] que se radicalizou”. 

Nem sempre estive de acordo com Borrell, como quando ele afirmou perante diplomatas europeus: “A Europa é um jardim (…) e o resto do mundo é uma selva, e a selva pode invadir o jardim”, afirmação eurocêntrica com ressonâncias xenófobas, que suscitou a reacção indignada da União Africana; ou quando defendeu uma escalada militar na guerra da Ucrânia, em vez de, como seria seu dever, agir de acordo com  a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, usando todos os meios diplomáticos   para almejar um acordo de paz que pusesse fim à invasão russa (que violou o direito internacional), e respeitasse o direito de todos os povos da Ucrânia à autodeterminação. Mas, relativamente à Palestina, apesar de inicialmente repetir o “mantra” propagandeado pelos EUA (de Biden a Trump) e da União Europeia de que “Israel tem o direito de se defender”, como se este direito fosse extensível a uma potência que há 77 anos ocupa, coloniza e massacra outro povo (seria o mesmo que dizer que a Alemanha nazi tinha o direito de se defender dos “maquis”, a resistência armada na França ocupada, ou que Salazar tinha o direito de mandar torturar e massacrar os povos das colónias para se defender da guerrilha dos movimentos de libertação, a que também chamava “terroristas”), Borrell foi aumentado o tom das críticas à generalidade dos líderes europeus. Eis um breve resumo de algumas das suas posições:

A viagem de Van der Leyen a Israel, com uma posição de absoluto apoio, na qual ela não representa mais ninguém em uma questão relativa à política internacional, teve um alto custo geopolítico para a Europa” (entrevista ao El Pais).

Toda a gente vai a Tel Aviv pedir: «Por favor, estão a morrer demasiadas pessoas».Quantas pessoas são demasiadas? Netanyahu não ouve ninguém. (…) se os estados-membros da UE acreditam que é um massacre o que está a acontecer na faixa de Gaza e que demasiadas pessoas estão a morrer, então, têm de pensar no [fim do] fornecimento de armas [a Israel]”. Cada Estado-membro é responsável pela sua política externa, mas é no mínimo contraditório dizer: «Há demasiadas pessoas a morrer, por favor não matem tantas». Parem de dizer «por favor» e façam alguma coisa!” (Conferência de Imprensa conjunta com António Guterres,12.02.24).

Os Estados-membros não percebem de igual maneira o horror vivido em Gaza e na Cisjordânia. (…) As cidades de Gaza foram mais destruídas do que as cidades alemãs durante a Segunda Guerra Mundial”, (Sessão do Parlamento Europeu, Outubro de 2024).

“Estamos testemunhando a maior operação de limpeza étnica desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a fim de transformar Gaza em um destino turístico de luxo, removendo milhões de toneladas de escombros e a morte ou partida de palestinianos.” (Fórum Latino Palestino)

Em apenas um mês, mercenários dos EUA mataram 550 palestinianos [entretanto, já são cerca de 700] que estavam a tentar arranjar comida nos pontos de distribuição da auto-designada Fundação Humanitária de Gaza [dos EUA e Israel]. Isto é horrível, mas a Comissão Europeia e o Conselho Europeu [liderado por António Costa] ainda não tomaram nenhuma atitude contra estes actos criminosos” (no X, princípio deste mês).

 

Se os líderes europeus ouvissem Borrell, Netanyahu não se sentiria impune para prosseguir o genocídio (60 mil mortos, a maioria mulheres e crianças, 70 crianças mortas à fome), apesar das acusações e dos mandados de captura de dois tribunais internacionais. Se Fernando Ruas ouvisse Borrell talvez se envergonhasse de apadrinhar negócios de armas com um país genocida. Se o Joaquim Alexandre ouvisse Borrell talvez gastasse mais tempo a criticar o governo terrorista de Israel do que a vituperar contra um partido democrático e de esquerda, como faz recorrentemente.

A MAIORIA DA ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE VISEU REJEITOU MOÇÃO DO BE A CONDENAR ISRAEL PELO GENOCÍDIO EM GAZA

 

Na última sessão da Assembleia Municipal de Viseu, Carolina Gomes, eleita pelo Bloco de Esquerda, apresentou uma moção a condenar os crimes de guerra cometidos por Israel e a instar o Governo a reconhecer o Estado da Palestina e a “exigir o fim dos acordos diplomáticos e comerciais do Estado Português com Israel que indiretamente têm financiado o genocídio do povo palestiniano”, com milhões de pessoas a viver “sob bloqueio, sem acesso adequada a alimentos, água potável, cuidados de saúde e abrigo”.

A moção ainda teve 15 votos a favor, mas chumbou com 19 votos contra e 12 abstenções. A eleita pelo Chega, mais uma vez, não compareceu, nem se fez substituir, desrespeitando de novo os seus eleitores. Pedro Alves, pelo PSD, acusou a moção do BE de não condenar igualmente a Palestina. Como se um povo ocupado, colonizado, humilhado, segregado, preso, torturado e massacrado há 77 anos, ainda fosse culpado por resistir a um Estado terrorista como o de Israel. Devia ouvir Josep Borrell.

 

 

 

 

 

 

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Publicado em Opinião