Andei durante anos a adiar a leitura do livro, “Veronika Decide Morrer” de Paulo Coelho, porque achava que seria um livro muito pesado e triste e não estava para me massacrar com essa leitura.
Há anos conheci no hall de um hotel de uma ilha balnear, no dia em que já estávamos de partida, uma mulher, minha colega, que ao ouvir a conversa que eu mantinha com um casal, decidiu abeirar-se de mim para me dizer que conhecia muito bem Moimenta da Beira, porque embora vivendo fora há muito tempo, tinha nascido e ainda tinha toda a sua família numa das aldeias do concelho.
Foi amizade à primeira vista, ela confessou-me que durante toda a estadia me tinha observado, na praia, no restaurante e nas actividades que fazíamos em família, e que a cumplicidade que eu tinha com as minha filhas, lhe lembrava a cumplicidade que ela teve com a sua filha. Levei um murro no estômago e um estremeção na alma quando ela me contou a morte trágica da sua única filha, na altura uma jovem de vinte e um anos, estudante de um curso ligado às artes numa das melhores universidades do país e que por razões que ela nunca conseguiu entender e que a atormentarão para sempre, apareceu morta no rio Douro.
Quis o acaso que o voo que nos traria de regresso a Portugal tivesse um atraso de cinco horas. Nunca abençoei um atraso de avião como aquele! Aliás, a partir daí adoro atrasos de avião porque tenho sempre a esperança de conhecer alguém tão interessante como aquela minha amiga que me deu uma das maiores lições de vida que recebi até hoje.
Falámos durante todo o tempo, partilhamos as nossas histórias e os nossos gostos e acabamos por falar de livros, de música e de filmes e foi ela que me abriu o apetite para ler o livro do Paulo Coelho. Confesso que já li alguns livros deste autor, mas não posso dizer que o aprecio muito. Alguns li-os por sugestões de amigos, quase por necessidade de lhes agradar, como a minha amiga Lurdecas, que era uma fã do Paulo Coelho, julgo que sobretudo pela sua espiritualidade. No livro “Veronika Decide Morrer”, simplesmente brilhante e libertador, a personagem principal é uma jovem que perde a vontade de viver e acaba num hospício, aí ela vivencia uma experiência de louca. Ela liberta-se de amarras psíquicas, de preconceitos e age naturalmente. Grita se lhe apetece, chora quando quer, analisa os outros numa perspetiva totalmente nova, diferente e livre. No hospital descobre que não terá muitos dias de vida, pois na tentativa de suicídio o seu coração tinha ficado gravemente doente. O que acontece na verdade é que a informação é falsa! Lá ela descobre como viver fora dos parâmetros habituais da sociedade. Sem esperança, Veronika na clínica conhece Eduardo, um esquizofrénico que teve um episódio psicótico ao culpar-se da morte da sua namorada, anos antes num acidente de automóvel. Estes dois vivem juntas experiências novas e interessantes, mas tanto Veronika como Eduardo têm plena consciência de que ela tem apenas uma semana de vida. No final ela foge sem saber que não sofre de problema nenhum, apenas para viver o tempo que lhe resta.
Aquela mãe que perdeu a sua única filha, naquela longa conversa nos bancos do aeroporto apenas me queria dizer: Aproveite a vida, viva a vida porque ela por vezes prega-nos partidas que de tão definitivas nos retiram a possibilidade de remediar o que correu menos bem